De um lado do Atlântico, nevões inéditos. Do outro, temporais de uma violência singular. Mas ambos – o frio na América do Norte e as intempéries na Europa – têm, aparentemente, a mesma fonte: mudanças estruturais na corrente de jato (que ajuda a moldar o clima no norte dos dois continentes).
Um estudo apresentado no dia 15 em Chicago, durante o encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência, a maior coletividade científica do mundo, aponta para uma variação crescente e continuada do fluxo de ar da tropopausa (entre a troposfera e a estratosfera, a dez quilómetros de altitude), o que leva esses ventos rápidos e gelados a estenderem-se e a vaguearem em curvas acentuadas para longe do círculo polar ártico
A hipótese mais forte para explicar este fenómeno é o aquecimento do Ártico: como a corrente de jato é causada pelo choque entre o ar frio do Ártico e o ar relativamente quente das latitudes médias, uma aproximação das duas temperaturas enfraquece os ventos da tropopausa, que passam a desviar-se das altas pressões em vez de atravessá-las, tornando o percurso muito mais sinuoso do que habitualmente e esticando-se para sul.
“A corrente de jato ondula, com alguns meandros, como um rio, mas aproximadamente em paralelo, de oeste para leste”, explica Filipe Duarte Santos, físico e coordenador de vários estudos climatológicos em Portugal. “O que está a acontecer [neste inverno] é que a corrente está a ter um meandro que desce o Atlântico Norte e passa por cima da Península Ibérica, arrastando consigo as tempestades.”
DEPOIS DA TEMPESTADE, A SUBIDA DO MAR
A investigação americana, apresentada por Jennifer Francis, professora do Instituto de Ciências Marinhas e Costeiras da Universidade de Rutgers, de Nova Jérsia, vem reforçar uma teoria debatida há algum tempo – o aumento de temperatura no Ártico, três vezes mais intenso do que a média global, está a influenciar diretamente o clima no hemisfério norte. Ou seja, num paradoxo aparente, o aquecimento global está a arrefecer os nossos invernos.
“The jury is still out there [expressão que significa qualquer coisa como “o júri ainda está a deliberar”]”, diz Filipe Duarte Santos. “Mas começa a haver um consenso que o que se passa no Ártico está a influenciar a corrente de jato, fortalecendo a componente meridional, norte-sul.” O investigador português justifica o aumento de temperatura em redor do polo norte com a fusão dos gelos oceânicos: mais radiação solar é absorvida pela água, aquecendo-a, em vez de ser refletida pelo branco das áreas geladas.
O alongamento da corrente de jato, por longos períodos, a Portugal é uma péssima notícia, acrescenta o cientista. “A energia destas tempestades é brutal e, conjugada com a subida do nível médio das águas do mar, vai pressionar muito o litoral.” A confirmar-se a influência direta das alterações climáticas nestes invernos longos e rigorosos, e cruzando com os cenários dados como certos pelos investigadores para o verão, esperam-nos tempos difíceis, com apenas duas estações: uma muito fria e chuvosa e outra muito quente e seca. E cada vez menos os fenómenos climáticos extremos serão notícia. A exceção passará a ser a regra.