Agora que é oficial a existência duma rota migratória entre Marrocos e Portugal, e perante a situação decorrente da guerra na Ucrânia, os próximos tempos afiguram-se bastante desafiantes para o nosso País no que diz respeito ao acolhimento e integração de imigrantes.
A existência duma rota estava empiricamente comprovada a partir do momento que começaram a chegar à nossa costa algarvia, mulheres com crianças. Pouco importa o número oficial. Qualquer estudo refere que as rotas migratórias são “ensaiadas”, primeiro com homens e só quando as mesmas se mostram seguras e eficazes passam a integrar os grupos mais frágeis, neste caso mulheres e crianças.
Marrocos, não sendo um país de origem, é uma plataforma de trânsito da imigração.
As consequências do conflito na Ucrânia terão, a médio prazo, menos impacto na Europa do que em África.
Certo que a dependência energética fará tremer economias, levará a uma perda do poder de compra dos europeus, terá contestação nas ruas e porá em causa governos.
Mas uma coisa é não poder fazer férias como habitualmente, ter que colocar mais um casaco dentro de casa, ou comprar os artigos de primeira necessidade e de luxo a um preço mais elevado. Outro completamente diferente é passar fome, morrer e ver morrer por não ter pão!
Será isso que irá acontecer nessa região, que depende quase em 50% das importações de trigo da Ucrânia. África morre de fome há décadas. Mais do que qualquer outro continente, enfrenta as alterações climáticas resultantes em grande medida das políticas desgovernadas dos países ditos desenvolvidos, que parecem não perceber que a economia só existe porque existem pessoas. E pessoa é pessoa, seja ela de que cor for, esteja onde estiver.
A tipologia destes imigrantes será necessariamente diferente do que estamos habituados. Desde logo tratar-se-ão de indivíduos muito jovens, grande parte entre os 16 e os 18 anos, tendo em conta a média etária daqueles países, o que irá colocar desafios no seu acolhimento, enquadramento e integração
As crianças africanas têm uma esperança de vida que nós, Europa, deixámos para trás algures na Idade Média.
Com cereais a apodrecer devido ao embargo resultante do conflito e perante a morte iminente, adivinham-se grandes fluxos migratórios, com partida do Norte de África (leia-se Marrocos) com destino à Europa (leia-se Portugal e Espanha).
A tipologia destes imigrantes será necessariamente diferente do que estamos habituados. Desde logo tratar-se-ão de indivíduos muito jovens, grande parte entre os 16 e os 18 anos, tendo em conta a média etária daqueles países, o que irá colocar desafios no seu acolhimento, enquadramento e integração.
Um jovem desta faixa etária é já considerado adulto em grande parte dos países africanos, tendo a seu cargo muitas vezes grandes agregados familiares. A sua relativamente tenra idade confere-lhes maiores hipóteses de sobrevivência às mãos de máfias de auxílio à imigração ilegal que serão os grandes responsáveis por este êxodo que não será., de maneira nenhuma, regular. Mas não podemos esquecer que se trata de menores e que temos por obrigação, humanitária e não só, tratá-los como tal, sem defraudarmos as suas expetativas que são claras e simples: trabalhar para comer e dar de comer aos seus.
Podemos criminalizá-los? Não faríamos outro tanto caso estivéssemos na mesma situação?
Mas a política de portas escancaradas não é solução nem tão pouco será adotada, quer por questões securitárias, que há que ter em conta, quer de ordem ideológica, quer, em última análise, por questões práticas e de tranquilidade social.
O facto de ser um assunto de difícil resolução implica que seja tratado com antecedência, antecipando um cenário mais que anunciado e evitando sucumbir à tentação de reagir em vez de prevenir.
A solução não passará apenas por políticas migratórias emanadas dos governos nem por procedimentos administrativos. Terá que envolver toda a sociedade, incluindo o tecido empresarial, as escolas e os governos de proximidade, ou seja, as autarquias.
Capacitar estes jovens de forma a dotá-los de competências que lhes permitam estabelecer projetos de vida, seja aqui ou retornando mais tarde aos seus países, deverá ser a grande prioridade e pode, inclusive, ser uma enorme oportunidade para a dinamização de áreas deprimidas do interior.
Mas como não criminalizar a sua entrada irregular? Em bom rigor, e face à dura lex sed lex, tratar-se-ão de imigrantes económicos, não obstante fugirem duma morte certa à qual são alheios.
Possivelmente haverá que alargar o conceito de refugiado à guerra contra a fome. Porque, afinal de contas, estes serão as vítimas colaterais de bombardeamentos a milhares de quilómetros.
Como diria alguém. vale a pena pensar nisto.
De preferência, rápido!
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