Alexandre Guerreiro, o polémico jurista pró-Rússia, apresenta-se publica e formalmente, na sua página de LinkedIn, como “membro associado da CIDP”. Acontece que não tem legitimidade para o fazer, uma vez que nunca chegou a ser formalmente admitido.
“Só pode se um equívoco.” Quem o diz é Presidente do Centro de Investigação de Direito Público da Faculdade de Direito de Lisboa, Carlos Blanco de Morais. “Alexandre Guerreiro não tem nenhum estatuto de associado nem investigador, para tal tem de ser formalmente aprovado pelo Conselho Científico e isso nunca aconteceu”, esclarece à VISÃO. Segundo os estatutos do CIDP, só existem dois tipos de membros, investigadores integrados ou investigadores não integrados. Alexandre não é formalmente, segundo o CIDP, nenhum deles.
“O seu processo deu entrada há algum tempo, o seu nome foi colocado numa lista de 20 nomes, mas as admissões foram-se arrastando por causas dos serviços. Como tal, ele provavelmente começou a fazer um exercício provisório do estatuto de associado”, explica. Ou seja “assumiu-se tacitamente como membro e deu por adquirido que seria incluído”, desvalorizando que o tenha feito com “intenções dolosas”.
É aqui que acaba o uso ilegítimo da palavra investigador ou “membro associado” por Alexandre Guerreiro e começa um complexo intrincado jurídico. Sendo esse estatuto “provisório e informal”, formalmente não estava integrado, logo formalmente não é excluído. Fica assim agora oficialmente de fora, quando dizia que já estava no Centro.
Contactado pela VISÃO, Alexandre Guerreiro responde: “Nunca me apresentei na televisão como investigador do CIDP. Ser ‘investigador DA FDL’ é diferente de ser ‘investigador NA FDL’. Sou investigador independentemente da afiliação oficial que tiver e foi na FDL que obtive o grau que me permite tomar posição com algum grau de autoridade sobre o direito internacional público. Sou um produto da casa, goste-se ou não. Só mesmo neste país de pequenas invejas e capelinhas é que alguém com elevadas qualificações não é devidamente aproveitado e acaba por ser encostado por quem tem medo que ele lhe tire o lugar. Depois admiram-se que os mais qualificados emigram.”
Objeções de mérito e sustentação jurídica
Durante a reunião do Conselho Científico, muitas objeções se levantaram ao nome de Alexandre Guerreiro por falta de sustentação jurídica das opiniões que tem vindo a apresentar na comunicação social. Blanco de Morais alegou na reunião que a sua não inclusão só poderia acontecer tendo em conta eventual mérito ou demérito das suas posições científicas e técnicas e não por delito de opinião, tendo feito a defesa do direito à liberdade de opinião. “A nossa faculdade é um espaço de liberdade, aqui falam todos e ele até virá no dia 5 apresentar a sua tese”, reitera à VISÃO.
Para sair do impasse que se colocou e se arrastava, o professor Sérvulo Correia encontrou uma solução: adiar sine die, até outra reunião futura do Conselho Científico onde o tema possa ser oportunamente colocado, a deliberação da sua inclusão formal ao Centro. Não está assim de fora ad eternum, mas terá de ser avaliado novamente e mais a fundo tendo em conta “as alterações das circunstâncias entretanto ocorridas”.
E sobre as suas opiniões sobre a invasão da Ucrânia, que serão posteriormente avaliadas, o que diz o coordenador científico Blanco de Morais? Não concorda. “Sou um positivista: o que se passa é tipicamente uma guerra de agressão e há crimes de guerra.” E continua: “A invasão do Donbass, tal como aliás a do Kosovo pela Nato, são contra o Direito Internacional, logo ilegítimas. Curiosamente, o que ele diz não é o que está escrito na tese dele.”
Uma opinião partilhada pelo professor Sérvulo Correia, uma figura tutelar em Direito Público e presidente do Conselho Científico, que também sublinhou que Alexandre Guerreiro não é nem nunca foi investigador integrado do Centro.
Sobre a matéria de direito e as suas opiniões, começa por esclarecer: “Uma coisa é a liberdade de expressão em matéria política, outra é ter capacidade e conhecimento dos limites jurídicos”, disse à VISÃO. “Não oiço as suas intervenções, mas se sustentou a legitimidade da invasão do Donbass pela Rússia, é um erro de direito flagrante.” “E não podemos ter no centro pessoas que dão erros de direito graves”, diz perentoriamente.
A estas declarações, Alexandre Guerreiro responde: “A vida e obra do Professor Sérvulo Correia falam por si. Se eu chegar à idade do Professor e tiver feito e conquistado apenas um terço do que ele fez e conquistou já terei tido uma vida muito rica e feito muito pela sociedade e pela ciência jurídica. Para mim, é um dos poucos grandes do direito português que ainda temos o privilégio de ter entre nós. É uma autoridade no Direito Público, mas o seu pendor é claramente o Direito Administrativo e todos os seus ramos, apesar de incursões pelo direito do mar e pela arbitragem. Sobre o direito internacional público não conheço qualquer contributo. No mais, concordo que as divergências doutrinárias tenham limites e o único Centro com classificação de excelente na área do Direito não pode ter entre os seus quem dá “erros de direito graves”. Seguramente, não sou um desses casos.”
A admissão de Alexandre Guerreiro como membro do CIDP fica por agora sem efeito, tendo em conta as alterações supervenientes das circunstâncias. Até quando e que argumentos utilizará para sustentar o que várias autoridades na matéria parecem recusar, será esperar para ver.
Nota: Acrescentado no dia 28 às 12h00 com declarações de Alexandre Guerreiro