A Covid-19 veio para ficar, isso é quase certo. Contudo, espera-se que chegue o dia em que o SARS-CoV-2 já não tenha a capacidade de provocar “os estragos” de uma pandemia e que se torne em algo semelhante a uma gripe sazonal. A única questão é: quando?
Pode ser que esse momento demore um pouco a chegar, mas também que a normalidade que conhecíamos não regresse de todo. Nicholas Christakis, médico, sociólogo e autor do livro “A Flecha de Apolo: O impacto profundo e duradouro da Covid-19 no nosso modo de vida” (editado em Portugal pela Vogais) explicou à CNN as suas previsões para o futuro da pandemia e a herança que esta doença vai deixar no dia-a-dia.
De acordo com o cientista, a pandemia vai passar por três fases: o período imediato, o período intermédio e o período pós-pandémico. O primeiro é aquele que estamos agora a deixar para trás, em que sentimos o “choque biológico e epidemiológico do vírus”, e em que tivemos de viver num mundo profundamente alterado, caracterizado pelo distanciamento social, períodos de confinamento e obrigatoriedade de uso de máscaras e outras medidas de proteção individual.
“O vírus espalha-se até haver um número suficiente de pessoas infetadas para que alcancemos algo conhecido como o limiar de imunidade de grupo”, explica Christakis, acrescentando que este estado poderá ser atingido naturalmente, devido a um grande número de pessoas terem sido infetadas, ou artificialmente, através da vacinação.
De acordo com a teoria de Christakis, estamos perto de atingir o fim do período imediato, que será no final deste ano, e prestes a entrar no período intermédio, que o especialista prevê que dure até 2023. Durante este tempo, a humanidade terá aprendido a conviver com o vírus e teremos de recuperar não só do impacto biológico e epidemiológico do vírus, mas também do enorme impacto psicológico, social e económico deixado para trás pela pandemia.
Segundo Christakis, “a pandemia acelerou algumas tendências na forma como os cuidados de saúde são prestados”, além de ter enfatizado o papel da ciência neste período. “Tendo testemunhado a importância da ciência para enfrentar esta ameaça mundial, podemos começar a ver a sua relevância noutras coisas, como no combate às alterações climáticas”, continua. Neste período, o vírus vai tornar-se endémico, como já foi referido por inúmeros virologistas e epidemiologistas.
Finalmente, no final de 2023, Christakis prevê que tenhamos entrado no período pós-pandémico, que compara aos ‘loucos anos 20’ que se seguiram à epidemia da gripe espanhola, que surgiu em 1918 e terminou em 1920. As restrições e novos hábitos que tivemos de adotar vão acabar por desaparecer, apesar de algumas coisas não voltarem ao normal. O cientista dá o exemplo dos apertos de mão, que podem cair em desuso, e de alterações na organização do trabalho, que pode passar a ser feito mais frequentemente em modelos remotos.
Mas o que têm outros profissionais da área a dizer sobre o fim da pandemia?
Quase 90% dos virologistas, epidemiologistas e outros especialistas da área das doenças infecciosas inquiridos pela revista científica Nature em fevereiro responderam que, na sua opinião, o vírus vai tornar-se endémico, continuando a circular em áreas específicas a nível global nos próximos anos.
Mas a questão de quando esse cenário poderá ser uma realidade é mais complexa. Enquanto alguns especialistas afirmam que em algumas partes do mundo o vírus já é endémico, outros defendem que fatores como o surgimento de novas variantes alteraram a trajetória que seria expectável, e ainda não é possível falar de um cenário endémico.
“Com a mudança nos padrões de transmissão, à medida que novas variantes têm surgido, vemos agora uma transmissão muito mais extensa e uma propagação muito mais uniforme a nível global. Isto torna mais difícil declarar o fim da pandemia”, explica Arnold Monto, professor de epidemiologia na Universidade do Michigan e presidente do Comité Consultivo sobre Vacinas da Food and Drug Administration (FDA, o órgão norte-americano responsável pela segurança de medicamentos e alimentos), à CNN. “Porque todo o padrão de propagação mudou, e pode haver ainda zonas que não tenham passado pelo tipo de ondas que o resto do mundo passou”, acrescenta.
Monto clarifica ainda que é difícil definir como e quando o vírus passa de pandémico a endémico, uma vez que não há regras para fazer essa diferenciação, que é antes baseada “naquilo que temos de fazer para controlar os surtos” – e nesse campo já temos o avanço da vacinação.
Anthony Fauci, director do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, parece inclinar-se para um modelo de evolução semelhante ao de Christakis – mas sem avançar datas concretas. “Quando pensamos em pandemias, temos uma fase pandémica, depois temos uma fase de desaceleração, e depois temos uma fase de controlo, no fim da qual esperamos alcançar a eliminação e talvez erradicação”, disse à Comissão de Saúde, Educação, Trabalho e Pensões do Senado dos EUA numa audiência, na quinta-feira.
“O que esperamos conseguir é um nível tão baixo de incidência que, embora o vírus não seja completamente eliminado, não tenha um grande impacto na saúde pública ou na forma como gerimos as nossas vidas”, continua. “Assim, se vacinarmos mais pessoas globalmente, esperamos que dentro de um período de tempo razoável cheguemos a um ponto em que o vírus possa ter pontos altos e baixos, mas não nos domine como está a fazer agora”.
Cientistas ouvidos numa entrevista da Reuters estão confiantes de que os primeiros países a ultrapassar a fase mais difícil da pandemia serão aqueles que conseguirem atingir uma combinação de taxas elevadas de vacinação e de imunidade adquirida naturalmente via infeção, dando os exemplos dos EUA, Reino Unido, Índia e Portugal.
“Pensamos que daqui até ao final de 2022, este é o ponto em que conseguimos controlar o vírus, onde podemos reduzir significativamente a doença grave e a morte”, afirma Maria Van Kerkhove, epidemiologista que lidera a resposta Covid-19 da Organização Mundial de Saúde (OMS), em declarações à Reuters, acrescentando que a OMS prevê que esteja vacinada 70% da população mundial até 2022 – o que nos colocaria “numa situação epidemiologicamente bem diferente”.
Scott Gottlieb, ex-comissário da FDA, refere que os EUA também estão a entrar nesta fase. “Estamos a passar da fase pandémica para a fase mais endémica deste vírus, onde este se torna apenas uma ameaça persistente”, disse à Reuters, acrescentando que duas importantes metas para o controlo da pandemia já foram atingidas: a vacinação das crianças, que já está a decorrer em muitas partes do mundo, e a aprovação de um medicamento para tratar os sintomas da Covid-19.
Algumas farmacêuticas já anunciaram estar a desenvolver estes medicamentos, tendo mesmo o da Pfizer já sido aprovado no Reino Unido, por exemplo – o que pode vir a prevenir milhares de mortes e hospitalizações.