Uma investigação de 5 anos, conduzida por uma comissão judicial independente na República da Irlanda, com o objetivo de averiguar os acontecimentos que envolveram a morte de bebés e crianças em 18 instituições para mães solteiras, pôs a claro a realidade das mães solteiras e dos seus filhos nestas instituições.
Em 2014, uma historiadora local encontrou os restos mortais de cerca de 800 crianças em Tuam, na Irlanda. Enterradas numa vala comum que hoje tem o aspeto de um simples jardim, numa Casa para Mães Solteiras gerida pelas Irmãs Bon Secours, uma congregação de freiras católicas.
Isto foi o que desencadeou a investigação que teve início em 2015. Envolveu mais 17 instituições do género e conclui que cerca de 9.000 crianças morreram nelas.
Para além da situação que envolveu a morte das crianças, a comissão de investigação designada tinha também a função de apurar as condições de adoção, e se as mães conseguiam ou não dar o seu consentimento informado e livre.
Numa sociedade com valores conservadores e muitas vezes severos, principalmente na primeira metade do século XX, as mulheres que tinham filhos fora do casamento eram alvo de duras discriminações (tanto elas, como os seus filhos, que eram considerados ilegítimos). Esta discriminação era feita por pessoas de fora, mas acontecia principalmente dentro do próprio seio familiar.
Este tipo de instituições, a maior parte gerida pela igreja, surge então como um abrigo para estas mulheres (entre os 12 e os 40 anos) desamparadas, sem dinheiro e sem quaisquer apoios. Muitas vezes eram para lá empurradas por pressão das famílias, do pai das crianças e do clero. Fosse qual fosse a causa, estes abrigos surgiam como uma derradeira solução. Para além do estigma, as condições de vida a que eram sujeitas eram precárias e o parto podia ser uma experiência traumática para várias mulheres que tinham pouca ou nenhuma informação sobre o processo.
No relatório das Casas para Mães e Bebés constava que as irmãs de Bon Secours mantinham as crianças nestas casas até aos 5 anos de idade nos rapazes e 7 nas raparigas, o que ia contra o estipulado pelo Departamento de Saúde. Quando o município de Mayo decidiu retirar as crianças mais cedo de Tuam, as irmãs ameaçaram não aceitar os menores de Mayo. Esta ameaça foi compactuada com as autoridades locais. Um exemplo da capacidade de manipulação do sistema que a igreja tinha.
De facto, o medo continuou a fazer parte do modus operandi da igreja católica na Irlanda até muito tarde. Nos anos 70 houve um referendo que reduziu significativamente a capacidade de influência no poder político, mas não foi suficiente para acabar com o seu poder patriarcal. Por exemplo, quase uma década depois ainda era a igreja que fazia o currículo da educação sexual nas escolas.
De acordo com o relatório, atualizado a 12 de janeiro, instituições como estas existiam em vários países, mas a Irlanda era o país com a maior taxa de mães solteiras. Das instituições investigadas, foram cerca de 56.000 as mães solteiras que recorreram a estas casas.
Como morriam estas crianças?
A mortalidade infantil era alta, no entanto, nas crianças “ilegítimas”, a taxa era significativamente maior. Segundo o relatório, 15% das crianças que nasciam e viviam nestas instituições morriam. Não há indícios nenhuns das crianças terem sido assassinadas, no entanto, sabe-se que estas casas não tentavam salvar a as vidas das crianças. As análises feitas aos restos mortais permitem agora perceber que a causa de morte mais comum foi a má nutrição.
A maior parte das instituições sob investigação não fizeram o registo dos enterros. No caso de Tuam, existiam certidões de óbito, mas nenhum registo sobre os funerais e esta foi a primeira pista para se saber que as crianças foram enterradas numa vala comum, o que se confirmou pelas escavações feitas.
Reação do governo
Na sua conta do Twitter, o primeiro-ministro irlandês Michéal Martin descreveu o relatório final das Casas para Mães e Bebés como “um capítulo sombrio e vergonhoso da história recente da Irlanda”
“Nós fizemos isto a nós próprios, como uma sociedade – nós tratámos excecionalmente mal as mulheres; nós tratamos excecionalmente mal as crianças”, diz Martin, no pedido de desculpas oficial. “Nós tínhamos uma atitude distorcida da sexualidade e da intimidade e as jovens mães e os seus filhos foram obrigados a pagar um preço terrível”.
“O mais impressionante foi a falta de bondade básica”, conclui o governante.