A recessão provocada pela pandemia poderá repetir o cenário da crise imobiliária de há uma década?
Eu peço desculpa se errar mas acredito que no mercado da classe média não haverá grande desvalorização de preços. Poderá haver quem venda barato mas vai perder dinheiro. Não temos excesso de oferta nem o mesmo endividamento que existia na altura da Troika. Já no mercado alto, devido aos condicionalismos da pandemia, a procura irá refrear e isso poderá colocar maior pressão sobre quem tem esse tipo de ativos. Tenho aconselhado os promotores com grandes empreendimentos para lançarem os projetos só se tiverem capacidade financeira. Quem não tem, é melhor ter calma e esperar por melhores dias.
Alertou durante muito tempo para a hipervalorização de alguns imóveis nos centros de Lisboa e do Porto. Agora, com a pandemia e a eventual venda de alguns desses imóveis poderão ocorrer bolhas imobiliárias localizadas nas zonas ‘prime’?
Sempre disse que não havia bolha imobiliária mas há dois anos que ando a alertar para os preços muito aquecidos em certos mercados como o médio-alto e alto… Tal como sempre avisei que se estavam a pagar os ativos do alojamento local em Lisboa a valores demasiado elevados… E a verdade é que agora, com a pandemia, podem gerar-se microbolhas nestas zonas. Mas ainda é demasiado cedo…
– Mas já se começa a notar um número crescente de casas à venda em Lisboa e Porto que transitaram do alojamento local…
Sim, há proprietários que estão a tentar vender essas casas porque ao preço pelo qual as compraram, não conseguem suportar os custos com uma rentabilidade normal através do arrendamento de longo curso. Resta saber se o mercado vai subir ao preço a que eles precisam de as vender.
Ao nível do mercado da mediação imobiliária já há consequências deste movimento: a percentagem de imóveis que está a passar pelas mediadoras, no último mês e meio está a crescer muito. Quem conhece bem o mercado imobiliário sabe que é em alturas de crise que os mediadores são mais precisos. Claro que o mercado diminuiu porque há menos transações, mas há mais transações a passar pelos mediadores. Voltámos a ser mais procurados. É em alturas de crise que as pessoas sentem a nossa falta, quando o mercado está quente há quem ache que não precise de nós…
O confinamento obrigou as pessoas a olhar com outros olhos para as suas respetivas casas e a pesquisa por habitações com zonas exteriores disparou. Mas já se tornou uma procura efetiva?
Há pessoas que estão a comprar habitações maiores nas periferias porque têm famílias numerosas e foi complicado o confinamento, mas se calhar, só conseguem comprar nas periferias porque os preços no centro estão impossíveis… Mas sim, tem, de facto, havido mais procura por moradias nas periferias, montes no Alentejo, mas não é ainda significativa, contudo, iremos analisar esses dados em setembro e outubro.
– Nos últimos anos o mercado esteve muito dinâmico, abriram-se muitas agências e isso atraiu muita gente para o setor, inclusive alguns profissionais que nunca tinham trabalhado nesta área. Já há agências a fechar, empresas que estão em dificuldades?
É verdade, atraiu muita gente… Para ter uma ideia, nos últimos anos entraram 12 000 pessoas para o nosso setor vindos direta ou indiretamente do setor financeiro, o que é uma loucura! Isto não era sustentável. Toda a gente era mediador ou consultor imobiliário… Não era sustentável. Eu já tinha dito isto ao organismo público, as coisas têm estado a ser pensadas e eu acho que esta crise vai ajudar a afastar muitos pseudo-consultores. Isso já está a acontecer, muitos deles começam a não ter faturação e já começam a sair. Que ninguém pense que o nosso setor vai passar incólume a esta crise! Muitas empresas vão desaparecer. Ainda não consigo prever a dimensão, mas posso dizer que a queda de empresas no sector será sempre superior a dois dígitos. Esses dois dígitos podem crescer muito, tudo dependerá da duração desta crise, da gestão sanitária, se haverá uma 2ª vaga… Mesmo assim, o setor imobiliário até é daqueles que parece ter algum futuro… O país precisa de nós e acho que o Governo tem noção disso. Mas precisamos que nos dê condições para podermos “pescar”…
Que condições são essas?
Por exemplo, não sabemos o que vai acontecer aos vistos Gold, mas acho que toda a gente tem noção de que aquilo que foi decidido no princípio do ano (a exclusão dos vistos Gold das zonas litorais) neste momento está fora do contexto… Eu acho que os políticos têm que fazer alguma reflexão, pensar seriamente, nem à esquerda, nem à direita. Acho que não podemos ser preconceituosos quando há países como a Espanha, a Grécia e outros a facilitarem cada vez mais o acesso ao visto de residência através deste programas. Esse programa vai ser absolutamente essencial para nos ajudar a recuperar e a procurar novas rotas. Precisamos e cada vez vamos precisar mais! Se eu tivesse responsabilidades governamentais, neste momento, eu já tinha feito alguma coisa sobre isso.
Outro exemplo: muitos organismos públicos, devido ao teletrabalho, estão a atrasar processos e para nós, que trabalhamos com as autarquias, conservatórias e as finanças, está a ser um grande problema. É inadmissível, a economia não pode parar!