Em inglês, são os”superspreading events”, eventos superdisseminadores da Covid-19. São considerados episódios deste tipo situações em que uma pessoa infeta um número desproporcional de outras pessoas. E à medida que prosseguem as investigações, os cientistas vão tendo uma ideia mais clara do papel, subestimado, inicialmente, destes acontecimentos no alastrar da doença. No caso dos Estados Unidos, a Scientific American destaca o exemplo de uma conferência em Boston, que ocorreu ainda antes de soarem todos os alarmes no Ocidente.
Estavamos no final de fevereiro e 175 pessoas de todo mundo juntaram-se numa conferência da empresa de biotecnologia Biogen. Como era normal no mundo pré-Covid, apertaram mãos, conviveram, falaram próximas umas dos outros. Sem o suspeitarem, alguns participantes estavam infetados com o novo coronavírus. E igualmente sem o suspeitarem, muitos outros saíram de Boston infetados. Só no estado de Massachusetts, 99 ficaram doentes. Por volta da mesma altura, mais de 100 pessoas ficaram infetadas num funeral em Albany, no estado da Geórgia, que acabou por gerar uma onda de casos positivos.
Já em março, um único infetado passou a doença a 52 pessoas depois de duas horas e meia de ensaio num coro no estado de Washington.
Por cá, embora em menor escala, temos os exemplos recentes de festas no parque de campismo da Galé, em Grândola, e em Lagos, cada uma responsável por dezenas de casos.
Há modelos da pandemia a indicar que 10 a 20% dos infetados são responsáveis por 80% da circulação do SARS-CoV-2, o que leva os investigadores a defender que travar esses eventos superdisseminadores pode ser fundamental para conter a pandemia. O infecciologista Samuel Scarpino, da Universidade Northeastern, em Boston, resume os grandes fatores de risco – grandes ajuntamentos de pessoas, contacto próximo e espaços confinados com pouca ventilação. Será esta combinação de fatores, e não a existência de doentes “super-contagiosos”, que alimenta o alastramento extremo do novo coronavírus.
A tudo isto junta-se a característica do vírus de ser transmissível antes de provocar sintomas em quem já está infetado. O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) estima que 40% das transmissões ocorram antes de o infetado ter qualquer sintoma, o que, claro, dá tempo ao portador, assintomático ou pré-sintomático, contagiar outras pessoas – os seus familiares ou amigos mais próximos ou desencadear uma onda de infeções no caso de se fazer presente num dos tais eventos críticos.
Além de concentrarem muitas pessoas em espaços fechados (quantas mais pessoas, maior o risco de estar um infetado entre elas), estes episódios têm outra característica a ter em conta: o tempo. Quanto mais tempo um grupo estiver em contacto, maior a probabilidade de o vírus se espalhar.
O que as pessoas fazem nesses eventos também conta, já sem falar nos comportamentos que agora são de risco. Sabe-se que simplesmente ao falar, cada um de nós emite uma quantidade significativa de partículas, que aumentam quando se fala mais alto e aumentam mais ainda a cantar, o que explica o caso do coro de Washington. A respiração durante o exercício físico também emite maior quantidade de partículas, daí a limitação do número de participantes em aulas de grupo nos ginásios, por exemplo, juntamente com a ventilação dos espaços.
