O impacto da pandemia na economia portuguesa, que penaliza particularmente setores mais expostos à procura externa como o turismo, agrava a dívida pública e retira margem de manobra ao Estado para socorrer as empresas. A esperança dos gestores e empresários está agora colocada nos mecanismos que a União Europeia deverá colocar à disposição dos Estados-membros, no âmbito do plano de recuperação. Mas, para que tenha efeito na economia, poderá ser necessário fazer mudanças nas estruturas de gestão nacionais. E, do lado das empresas, adotar uma postura proativa de gestão do risco.
Estas foram algumas das ideias deixadas esta quinta-feira, 2 de julho, pelos participantes do Fórum PME Global em Viana do Castelo. A sessão, organizada pela Ageas Seguros em parceria com a Ordem dos Economistas, inaugura o segundo ciclo de conferências, em Viana do Castelo.
“O ponto em que estamos é inédito em Portugal, uma crise distinta da anterior e que trouxe um choque simultâneo raro do lado da oferta e da procura, que criou risco de espiral recessiva da economia,” diagnosticou Rui Leão Martinho, fazendo ainda referência ao quadro cinzento da economia nacional: problema da dívida pública que não foi resolvido na altura da troika, poupança abaixo da média europeia, PME muito endividadas e com capacidade de financiamento negativa, rácio elevado de malparado e turismo e exportações fortemente afetados este ano. Para sair deste cenário, o bastonário da Ordem dos Economistas defendeu que o País vai ter de se centrar nos fundos europeus, “sobretudo nas subvenções. Há muito pouco dinheiro para ajudar a economia,” acrescentou.
Mas além de decidir onde aplicar os €15,5 mil milhões que deverão caber a Portugal no quadro do fundo global de recuperação de €750 mil milhões (ainda por aprovar pela União Europeia), Rui Vinhas da Silva defendeu que é preciso alterar o formato com que os apoios comunitários têm vindo a ser atribuídos nas últimas décadas, sob pena de continuarmos abaixo da média europeia em PIB per capita e crescimento. “É preciso mudar muita coisa no Iapmei, no Compete, na AICEP, na ANI, nas CCDR… Se não mudarmos a arquitetura dos fundos comunitários, é mais do mesmo,” lamentou.
Para este o professor do ISCTE, sair da situação em que estamos é “impossível” sem competitividade das exportações de bens transacionáveis e sem a atração de investimento estrangeiro, sobretudo em investigação, que passa por criar barreiras naturais à saída de empresas como um ecossistema de investimento com universidades e parceiros nacionais. Rui Leão Martinho, por outro lado, defendeu como pontos fulcrais para a recuperação o restabelecimento da confiança, o aumento da liquidez economia, o desenho de respostas a setores mais afetados como o turismo, a realização de reformas estruturais e o investimento na saúde.
Gerir o risco é preciso
No evento, que reuniu responsáveis de várias PME da região de Viana do Castelo, um dos temas do debate moderado por Camilo Lourenço prendeu-se com a necessidade de as empresas estarem preparadas para momentos conturbados como o que foi criado pela pandemia do novo coronavírus, nomeadamente com ferramentas de gestão de risco que permitam antecipar e evitar gastos elevados e desnecessários. Nomeadamente, referiu José Gomes, CEO da Ageas Seguros, do risco associado a esses desafios nas pessoas, património e na sustentabilidade ambiental.
Alexandra Catalão sublinhou a necessidade de as empresas desenvolverem uma cultura de risco para controlar esse impacto dos imponderáveis. “Os custos que as empresas têm com sinistros ou outros custos indiretos que são quatro vezes superiores ao que as seguradoras têm com pagamentos das seguradoras com sinistros,” estimou a diretora de marketing da Ageas. No âmbito das medidas preventivas, aquela empresa tem em curso um programa de prevenção e análise de risco (PAR) que já abrangeu de forma gratuita 935 clientes nos últimos três anos. O processo de diagnóstico e recomendações para reduzir o risco levou, entre 2018 e 2019, a reduzir em 13% o absentismo nas empresas intervencionadas, revelou a responsável. “De acordo com o estudo de uma entidade europeia, por cada euro investido em segurança, há um retorno de 2,2 euros,” acrescentou.
O tema da prevenção do risco está aliás na base de uma distinção promovida pela Ageas Seguros e pela EXAME. A partir de 14 de julho as empresas portuguesas podem concorrer ao Prémio Inovação em Prevenção, que pretende reconhecer e incentivar as boas práticas empresariais na área da prevenção, sobretudo na forma como as empresas e seus gestores gerem os riscos associados à sua atividade.
Uma questão de idade e de perceção
Os problemas com que se debatem as pequenas e médias empresas em tempos de pandemia e o que estão a fazer – ou o que prepararam – para garantir a continuidade do seu negócio, foi depois um dos temas abordados na mesa redonda que analisou o panorama atual da produtividade das empresas.
“A vasta maioria empresas em Portugal não tinham um plano de continuidade de negócio e as que tinham não estavam preparadas para um cenário tão dramático,” diagnosticou Abel Aguiar. O diretor executivo para parceiros e PME da Microsoft Portugal reconhece que os últimos três meses não permitiram realizar aquilo que não foi feito durante anos, mas que aumentou a apetência das empresas para estudarem novos cenários tecnológicos. Os empresários procuram hoje saber “como aumentar a presença em canais digitais, como controlar instalações à distância, linhas de produção, cadeias logísticas. E como faço isto tudo em segurança,” exemplificou.
Um dos problemas estruturais evidenciados por duas das empresas participantes, o grupo de engenharia Mecwide e a construtora Irmãos Gigante, prende-se com a falta de empregos qualificados nestes setores. “A mão de obra é bem paga, mas não é sexy para os jovens. Procuramos mostrar-lhes que a indústria não é tão má assim,” disse Carlos Palhares, CEO da Mecwide, empresa que, com o lema “Work hard, Have fun, No drama”, se diz habituada à crise: desde logo porque surgiu em 2009, no início do choque financeiro internacional desencadeado pelo subprime nos EUA.
A questão da idade é outra das que preocupa a construção. “Há mais de 15 anos que não aparece um homem com menos de 35 a 40 anos – não há jovens,” lamentou José Gigante. O negócio não corre mal, reconhece – “Não podia estar melhor para trabalharmos. Há muito mercado”. Mas, sem pessoal suficiente, não é possível acudir a todas as encomendas.
E começa logo por ser uma questão de perceção: “Não é bonito dizer que se é pedreiro. Não é uma arte reconhecida. Prefere-se dizer técnico manobrador de máquinas em vez de pedreiro,” especificou o sócio-gerente da construtora Irmãos Gigante. “Esta área nunca foi valorizada ou bem-vista e se calhar temos todos culpa disso. Nunca fomos bater à porta de uma universidade para tentar dar a volta a isto,” admitiu o responsável. Aliás, por causa dessa falta de recursos humanos, é que – reconheceu, – a empresa começou a “ter mais cuidado com os homens que tínhamos”.
Problemas locais, soluções globais
Às circunstâncias naturais de cada setor que já tornam difícil responder a uma crise de proporções globais juntam-se ainda as limitações locais, as que se sentem e têm de ser resolvidas no terreno. E, no caso de Viana do Castelo, uma das maiores está ligada aos transportes e às cadeias de abastecimento. “Se se resolvesse a questão da logística, a região tinha condições muito interessantes de desenvolvimento,” considerou o presidente da Associação Empresarial de Viana do Castelo. Manuel Cunha Júnior lembrou o papel de charneira da cidade, por onde passam 52% das exportações para a Galiza, e os obstáculos colocados com as portagens e o fraco acesso à ferrovia de carga, apesar do trabalho de revitalização do porto de Viana e do investimento da West Sea nos estaleiros.
Aos desafios imediatos de liquidez e de horizonte trazidos pela pandemia, às oportunidades de modernização e digitalização que foram desencadeadas pela situação de emergência e que nem todos conseguirão aproveitar, e às questões estruturais que continuam por resolver no País, Carlos Palhares acrescenta outro sobressalto no caminho dos próximos anos, que poderá afetar sobretudo empresas como a sua, mais expostas a grandes companhias como as da área da energia. “O maior medo não é o impacto desta crise agora,” admitiu. “É o que vem aí, as medidas, uma conjuntura mundial de fracos políticos, que vai afetar as grandes empresas internacionais que não sabem o que vão fazer. Há mudanças mundiais que nos vão afetar, às PME, nos capex.” Também por isso, disse, é preciso começar a pensar numa segunda fase – em capitalizar as empresas.