Por Pedro Santos, 37 anos, enfermeiro de Bloco Operatório em Edimburgo
São tempos complicados aqueles em que vivemos. O Covid-19 tem deixado marca profunda nas nossas vidas e na forma como nos relacionamos. O açambarcamento de papel higiénico é sem sombra de dúvida exemplo disso.
O mito da sua escassez propagou-se globalmente de forma rápida, mais rapidamente do que a própria epidemia. A origem desta crença é incerta. No meu local de trabalho – aqui na Escócia – uma colega alegava que tal devia-se ao facto de a celulose utilizada na sua produção provir da China. Estando a China em estado de emergência e a sua actividade industrial em contenção o Reino Unido em breve seria incapaz de produzir mais rolos do fiel suave amigo. Ora tal como muitas outras histórias esta não passa de um rumor que deverá ter contribuído para o aumento da sua procura e consequente extinção nas prateleiras dos supermercados. Nunca um rolo de papel higiénico foi olhado com tanta cobiça! Vídeos de interpelações que rapidamente escalavam para injuria verbal ou cenas de pugilato inundaram a Internet aumentando exponencialmente a ganância por este artigo doméstico na mesma medida em que muitos se manifestavam contra este tipo de comportamento.
No meu Aldi local – supermercado onde compro maioritariamente o que necessito para o meu sustento diário – assisti a uma caricata cena: sendo nesta loja o limite de aquisição por cliente duas embalagens de papel higiénico, duas mulheres de meia idade foram assertivamente conduzidas à saída por um segurança, após este lhes ter removido das mãos uma embalagem de 24 rolos de papel higiénico respectivamente. Acontece que ao que parece era já a segunda ou terceira vez em poucas horas que estas senhoras – que para juízo de valor fica o facto de terem aspecto de beberricadoras de Gin – entravam neste estabelecimento para comprar unicamente papel higiénico!
As pessoas esquecem-se que até há bem pouco tempo – vá lá pelo menos até à primeira metade do século XX – o rabo era limpo com o que houvesse à mão. Normalmente o que havia à mão era jornal, retalhado em quadrados ou rectângulos empalados num preguinho espetado na parede, não muito longe da pia. Há também a história do lavrador que instigado por urgentes cólicas aquando da lavoura acabou por – após se aliviar no horto – limpar o rabo a folhas de couve. Para mim não passa de mito rural que terá chegado às urbes de forma a desencorajar o consumo de caldo verde nas casas de pasto…
Dei por mim há dias, sentado na sanita, a pensar na forma como ia limpar o traseiro: normalmente não penso nisso sendo que tal ocorre de forma praticamente instintiva. Contudo dada a escassez deste artigo decidi racionar a quantidade usada para tal fim. «1, 2, 3, 4 e corta. 1, 2, 3, 4 e corta. 1, 2, 3, 4 e corta.» – contava eu mentalmente. Quatro quadradinhos! Será que chegavam para higienizar o meu derriére sem ter que passar pela experiência de os trespassar com os dedos e tocar na minha materiae faecalis1? A resposta é afirmativa mas só porque o papel higiénico de folha dupla Saxon é de qualidade. Se usasse um rolo de folha única ou de marca inferior não arriscava menos que seis quadradinhos por levada.
Fico pois com a ideia que desta crise vamos herdar novos comportamentos que iremos por em prática no nosso quotidiano futuro: quanto mais que não seja a forma como se limpa o rabo. Despeço-me pois com votos de que todos se mantenham em segurança e com atitude positiva neste tempo de crise e de isolamento social que sei que é temporário e passageiro. Deixo também o conselho de reutilizar este texto se por acaso o imprimiu: corte as folhas em quadrados ou rectângulos e use-os para fazer uns origamis, barquinhos de papel ou que mais lhe vier agora à mente…
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