O novo líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, conhecido, no partido, como “o Chicão”, apagou um vídeo que partilhara nas redes sociais com a sua mensagem de Natal. Tê-lo-á feito depois de alguns comentários jocosos sobre o conteúdo da mensagem, o estilo eclesiástico da pose ou até o décor, com o cabelo a confundir-se com a árvore de Natal em fundo e um presépio iluminado por néons natalícios de evidente gosto kitch. Embora seja um homem info-incluído, como todos os da sua geração, parece ignorar que, uma vez na net, sempre a net: apesar do “apagão”, o vídeo continua disponível, por ter sido partilhado, entre outros, pelo comentador do programa Eixo do Mal, da SIC Notícias, Daniel Oliveira, e pela página satírica “bifeahcasa”. No vídeo, Chicão reflete sobre a época natalícia, onde pobres e ricos, “dos mais diferentes aos mais iguais”, estão “todos juntos na mesma alegria, em comunhão de paz e de concórdia”, Mais adiante, afirma que “a nossa fé cristã dá-nos a certeza das coisas que nos esperam e a convicção dos factos que não se vêem”(?). E depois, exorta todos a aderir à “única conspiração do mundo que faz sentido[!], que é a do amor”.
O facto de ter apagado um vídeo cuja mensagem parece bastante pueril, em face das novas responsabilidades que agora assume, está em linha com outros aspetos revisionistas no discurso de Francisco Rodrigues dos Santos, sobretudo se tivermos em conta uma leitura atenta da moção que levou ao congresso, bem como entrevistas recentes, onde se apresenta como um homem tolerante e equilibrado, rejeitando qualquer comparação com os valores dos ultra conservadores do Partido Republicano americano, identificados como Tea Party. Aliás, na Antena 1, rejeitou quaisquer simpatias por Donald Trump ou Jair Bolsonaro. E embora tenha recusado concessões ao politicamente correto ou ao policiamento da linguagem, Chicão assumiu-se, nas mais recentes declarações, como um líder de equilíbrio e um homem tolerante.
Mas as suas ideias nem sempre foram tão consensuais. Tido como o herdeiro do “conservadorismo hard”, deixou cair, na sua moção, quasiquer referências à alteração da lei sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG). Sobre a eutanásia, o presidente do CDS, que já foi mais explícito na sua rejeição, reformula os termos, cedendo, aqui, um pouco, ao tal policiamento de linguagem, dizendo, no máximo, que o partido deve fazer uma “defesa intransigente da vida humana, desde a conceção até à morte natural” (inclui uma farpa à IGV, portanto). Há dois anos, ao Diário de Notícias, vincava que a morte assistida vinha “colocar em perigo as franjas mais desfavorecidas e vulneráveis da nossa sociedade”. A solução, reforçava, tinha de passar por “cuidar das pessoas, e não matar o problema”.
Sobre as barrigas de aluguer, nada escreveu na moção. E o casamento de homossexuais é um problema que “perdeu atualidade”, sendo que, relativamente à adoção de crianças por casais homossexuais, a sua moção é omissa. Mas há dois anos, era perentório: “O grande erro deste debate tem sido o de centrar-se na questão da homossexualidade e não no interesse das crianças. (…) Eu entendo que deve haver uma complementaridade de sexo no seu desenvolvimento e crescimento.”
Um certo revisionismo encontra-se, também, nas palavras de um dos seus vice-presidentes, Miguel Barbosa que, em 2002, como presidente da distrital do CDS no Porto, pediu ao Governo Civil que proibisse uma parada gay, na cidade. Argumentava então o dirigente centrista que “não é com desfiles ordinários que se consegue seja o que for”. E, depois de defender que a sexualidade de cada um deve ser assumida “na intimidade do lar”, acrescentava a frase temerária de que se trata de “uma doença que não é normal”. Confrontado no fim-de-semana do congresso por jornalistas, afirmou que não comentava frases “truncadas e retiradas de contexto”.
Ainda assim, a Juventude Popular, cuja presidência Francisco Rodrigues dos Santos agora abandona, pediu que, no quadro da educação sexual ministrada nas escolas, fosse ensinada às crianças a abstinência sexual, como é ensinado o uso de contracetivos. A JP estranha que os contracetivos sejam referidos a partir do 5.º ano e só no 10.º apareça uma referência a abstinência sexual.
Entretanto, nos nove primeiros lugares da nova hierarquia do CDS, o que inclui os sete vice-presidentes, não existe uma única mulher. E, pelo menos um homem deverá recusar ceder a um discurso mais desnatado, no que respeita a valores morais mais consevadores, ou em matéria de costumes: Abel Matos Santos, fundador, no CDS, da Tendência Esperança em Movimento (esta sim, comparada ao Tea Party), e que desistiu da sua candidatura para integrar a direção de Chicão, já foi avisando que irá defender, no CDS, os mesmos valores que sempre defendeu – embora os tenha escondido, também, da sua moção. Entre eles, a exigência de “justa causa” para o aborto, a mudança de sexo apenas depois de decisão judicial, a revogação da legislação do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a proibição da adoção fora da biparentalidade.