O vídeo foi lançado ao início da tarde desta quarta-feira nas redes sociais de Miguel Pinto Luz, a apenas três dias de os sociais-democratas serem chamados a escolher o próximo presidente do partido. Rui Rio, Luís Montenegro e Pinto Luz estão na corrida à liderança e, partindo desse contexto, o vídeo simula uma peça noticiosa da SIC Notícias em que o autarca de Cascais é apontado como “uma surpresa” por conseguir avançar para uma segunda volta. Para completar, surgem fotos de Luís Marques Mendes, Miguel Sousa Tavares e Clara Ferreira Alves com supostas declarações sobre o candidato. “É uma falsidade”, diz a comentadora do programa Eixo do Mal à VISÃO. Pinto Luz “é um idiota sem escrúpulo moral”, atira.
Os primeiros 35 segundos do vídeo são, em tudo, uma simulação de uma efetiva peça noticiosa. Arranca com um “última hora” que preenche o ecrã e as primeiras palavras do voz off indicam que “Miguel Pinto Luz passou à segunda volta nas diretas do PSD”. Tudo isto acompanhado com imagens do debate entre os três candidatos na RTP e excertos de momentos da campanha do vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais. Depois, surgem imagens dos “principais comentadores” nacionais, a quem são atribuídas frases como “não me espanta este resultado” (Miguel Sousa Tavares), “eu avisei que Pinto Luz estava a crescer” (Luís Marques Mendes) e “Pinto Luz mostra boa preparação” (Clara Ferreira Alves).
O problema é que nada disto é real. Desde logo, porque as eleições só se realizam no sábado, 11 de janeiro. E, depois, porque – como assume a própria candidatura –, nenhuma destas três declarações foi, de facto, proferida por qualquer dos comentadores. E é esse facto que leva Clara Ferreira Alves a carregar nas palavras que escolhe para reagir ao vídeo. Em resposta à VISÃO, a comentadora do programa Eixo do Mal, transmitido semanalmente na SIC Notícias, garante: “Eu nunca disse isso. Nunca. Portanto, é uma falsidade”. Ferreira Alves acrescenta, ainda, a sua opinião pessoal sobre o candidato. “É um idiota. Amplamente demonstrado. Um idiota sem escrúpulo moral”, diz, por incluir declarações fabricadas no vídeo.
Questionada sobre se pondera avançar com um processo judicial pela utilização abusiva da sua imagem e pela atribuição de palavras que não proferiu, Clara Ferreira Alves descarta essa hipótese. “Não perco tempo com idiotas.”
Luís Marques, ex-líder do PSD e comentador da SIC, optou pelo distanciamento. “Já vi o vídeo, sim, mas não farei qualquer comentário”, limita-se a dizer. A VISÃO também tentou obter um esclarecimento de Miguel Sousa Tavares, mas o comentador da TVI não deu, até ao momento, resposta aos contactos.
Peça de “caricatura” e “humor”
O vídeo é, na verdade, uma “reportagem fictícia”. É essa a expressão a que, ao 35º segundo, o próprio Pinto Luz recorre para definir a sua mais recente ação de campanha. O autarca de Cascais explica depois, através do seu gabinete de comunicação, que “a ideia nasce de não deixar morrer o sonho de acreditar numa vitória, quando “muitos falam em voto útil, em polarização entre dois candidatos”, Rui Rio e Luís Montenegro. “É importante que ninguém deixe de votar no candidato da sua preferência logo na primeira volta. Por isso dizemos, com clareza, que apesar do início do vídeo não ser verdadeiro, ele pode ser bem real”, desde que os sociais-democratas assim entendam.
Sobre a utilização de imagens dos três comentadores e da atribuição de declarações que não lhes pertencem, a candidatura refere que “como toda a parte inicial”, com exceção das palavras de Paulo Baldaia, comentador que também é incluído no vídeo, as supostas citações “são objeto de criatividade, que é logo denunciada por Miguel Pinto Luz na primeira vez que usa da palavra”.
A campanha de Pinto Luz não esclarece se pediu ou não autorização prévia aos visados para que a sua imagem fosse utilizada no vídeo promocional (um dos comentadores garante à Lusa que não foi feito qualquer pedido a esse respeito e fica claro pela reação de Clara Ferreira Alves que, pelo menos naquele caso, isso não aconteceu). Mas diz que “uma liberdade criativa dificilmente pode ser considerada ‘uso abusivo da imagem’ de alguém”, e defende que “se a caricatura ou o humor fossem punidos em tribunal já não haveria comentadores, jornais, televisões ou humoristas no ativo”, uma vez que “estariam todos silenciados ou atulhados em dívidas com processos e indemnizações”.
A VISÃO questionou ainda o candidato sobre os riscos de desinformação que o vídeo pode provocar junto do eleitorado, um tema particularmente sensível num momento em que, por diversas formas, se procura combater o fenómeno das fake news. Mas Pinto Luz rejeita essa ideia. Haveria esse risco, diz a campanha, “se essa primeira parte do vídeo fosse um teaser isolado”, que não é. E, acrescenta, “o objetivo não é esse”. A ideia era “mostrar que uma brincadeira pode vir a ser real caso todos acreditem”, pretendia servir como uma “mensagem para os muitos que dizem (e pensam): ‘eu gosto muito da mensagem e da campanha do Miguel Pinto Luz mas tenho medo que o candidato x ganhe, porque isso vou fazer o voto útil’”, defende.