A tradição à americana diz que no dia de Ação de Graças se deve juntar a família e servir peru recheado – e depois todos os que estão sentados à mesa agradecem algo porque estão gratos neste ano que agora finda. Além disso, o momento marca o início da temporada da época natalícia, um feriado nacional que antecede a Black Friday. Há mesmo quem o considere um dos símbolos do famoso American Way of Life e daí que, aconteça o que acontecer, e ementa é basicamente fixa.
Mas, desde que se começou a apontar o dedo ao consumo de carne (em excesso, acrescente-se), e sobretudo de carne vermelha, que uma outra questão passou a também ocupar lugar à mesa: em que categoria classificamos a carne do peru?
A contenda tornou-se de tal forma acalorada que há até quem questione de onde vem o hábito – e aí é preciso recordar que o bicho já era criado pelo índios americanos, descendentes de Maias e Astecas, povos que serviam peru em oferendas e o consideravam um símbolo de fartura por ser uma ave grande e capaz de alimentar muitas bocas. Conta a Wikipédia que o primeiro Dia de Ação de Graças remonta a Plymouth, no Massachusetts, no ano de 1620. Depois de um ano de más colheitas, os colonos que fundaram a vila decidiram passar a celebrar as boas safras, sempre no fim do outono. No cardápio, lá está!, havia pato, mas sobretudo peru – que entretanto também passou a ser a figura principal de muitas mesas no Natal.
Agora, com a crescente preocupação sobre o que pomos no prato – e levamos à boca – a discussão já tardava: será que a carne de peru é branca ou vermelha? Os amantes da carne clara afirmam que a outra é gordurosa; os devotos da carne escura ripostam que a clara é seca e sensaborona. Poucos aficionados da carne vacilam sobre o tema – daí que a carne de peru seja perfeita para este tipo de debate, já que não é completamente homogénea.
Segundo conta Joshua Selsby, professor de Ciência Animal na Universidade de Iowa, na CNN, a cor da carne desta ave é, de facto, variável, e a explicação para isso não tem nada de extraordinário: está antes no músculo do bicho e na forma como é usado. “Veja como o peru se move”, segue aquele fisiologista do músculo, “se se sentir ameaçado, poderá voar por breves períodos na tentativa de escapar. Mas na maior parte do tempo está de pé e a andar.”
São atividades muito diferentes, explica Selsby, e suportadas por diferentes tipos de músculos, cada um com a sua função – e essas diferenças notam-se depois no prato.
Assim, a carne branca encontra-se principalmente nos músculos mamários, usados para criar a força necessária ao voo curto, caso seja necessário escapar de um predador.
É aquilo a que os especialistas chamam de músculo tipo II ou de contração rápida – e por isso suportado por um meio diferente de produção de ATP (a sigla para trifosfato de adenosina, o nucleotídeo responsável pelo armazenamento de energia). O processo chama-se glicólise e requer hidratos de carbono para criar ATP em vez de recorrer à mioglobina, a proteína que reserva oxigénio nos músculos dos mamíferos e, como tem ferro no núcleo, lhes dá um tom mais escuro.
Como se comprova – e depois também se prova! – ao escolher, em vez de peito, a coxa ou a perna.