Transacionar e monetarizar a poupança nas emissões de carbono é o objetivo de uma plataforma, a que se associa uma app, que vai entrar no mercado através de uma experiência piloto a realizar, a partir de junho, nos concelhos de Cascais e Matosinhos. O projeto é do CEIIA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto e poderá também vir a ser adotado em breve por uma cidade americana. Para já, a feira das Smart Cities em Nova Iorque vai ser palco, na próxima terça feira, 14 de maio, da apresentação mundial.
O conceito conta-se em poucas palavras: por cada poupança nas emissões (por exemplo, deixar de se deslocar de carro) o utilizador registado na plataforma ganha créditos, que depois poderá utilizar para pagar serviços e bens junto de empresas que aceitem este tipo de “moeda”.
Já lá vão dois anos e meio de investigação sobre como descarbonizar uma cidade. Carro elétrico, trotinetas e bicicletas já não são modos estranhos de deslocação. Uma melhor gestão da mobilidade é já visível em Cascais e pretende-se que passe a ser, também em Matosinhos, até se alargar e ganhar escala. Por detrás disso, uma plataforma tecnológica estava a ser pensada e construída, de forma a agregar vários dados e a poder ser utilizada por muitos e diferentes parceiros.
Como isto de pensar a sustentabilidade é como as cerejas, uma pergunta começou a impor-se: “Como compensar quem evita as emissões de carbono? Como valorizar as emissões que poupamos? E como o fazer de modo a que seja adotada por cada vez mais pessoas, mudando comportamentos e, com isso, proporcionando o surgimento de novos modelos de negócio?”. José Rui Felizardo, CEO do CEIIA explica assim o que querem conseguir com a plataforma AYR, a primeira que vai servir para quantificar, valorizar e transacionar a poupança de emissões de carbono. Para já, este projeto está apenas associado à mobilidade, mas poderá estender-se com o tempo a outros setores.
Esta tecnologia, com base em tecnologia blockchain (garantindo privacidade de dados e dificultando a sua manipulação), vai permitir que tudo aquilo que fizer em prol da sustentabilidade do planeta passe a ter um valor e seja monetarizado. Para que isto acontecesse, foi preciso avaliar o custo das emissões, para atribuir um valor às que são evitadas. Sempre que evitar emissões, a app atribuir-lhe-á um crédito em AYR, que podem ser gastas noutros serviços. Claro que, para isto, tem de aderir à app e a todo este ecossistema, que, por sua vez, tem de ser apetecível a outras empresas e suscitar mesmo outros novos modelos de negócio.
José Felizardo é taxativo: “Estamos a dar o poder ao cidadão”. Já Pedro Gaspar, o engenheiro que mais trabalhou nesta plataforma, diz que “esta é uma revolução com duas revoluções dentro: confirmar a revolução industrial e fazer a combinação com a revolução digital”. E aqui o complicado foi “atribuir um valor a algo que não fizemos”, como emitir carbono.
“Há um sentido de urgência, pois temos de cortar 45% de emissões de CO2 até 2030, o que é já daqui a 11 anos”, alerta Pedro Gaspar. “É preciso algo que acelere o processo”. E a plataforma AYR pode ser o meio de escalar, envolver e induzir a mudança de comportamentos. Teremos todos de “medir o impacto” das nossas decisões, já que “exige mudanças de comportamento muito grandes em pouco tempo”.
Escalar novos negócios com marca portuguesa
Jerry Hultin, co-fundador da feira das Smart Cities de Nova Iorque, esteve em Cascais e no CEIIA a conhecer o projeto e testemunhou o seu entusiasmo num pequeno vídeo. “Isto é exatamente o que o mayor de Nova Iorque precisa. Portugal tem uma solução que pode trazer verdadeiro valor para os seus cidadãos”, diz. E é assim que em janeiro o CEIIA foi desafiado a apresentar a plataforma em Nova Iorque, na próxima terça feira (14).
E se ter como parceiro as Nações Unidas já era mérito suficiente, ter agora esta atenção do centro do mundo é oportunidade para criar uma startup escalável globalmente e com marca portuguesa. A plataforma cumprirá melhor a sua missão quantos mais a ela aderirem. E além das pessoas, é importante que incorpore empresas, instituições e municípios. Apesar do seu valor universal, “esta não é uma plataforma centralizada”, pelo contrário, “quer-se o mais descentralizada possível e adaptável”.
Até porque depois, a quantidade de créditos atribuídos em AYR será conforme a realidade de cada ecossistema. Ou seja, a mesma atitude não terá o mesmo valor em Nova Iorque ou Matosinhos. “Cada cidade estabelecerá os seus objetivos de descarbonização”. O que aponta para que esta seja sempre “uma moeda local a funcionar dentro de uma cidade ou entre cidades”.
“Uma verdade já sabemos: no futuro, não haverá sucesso sem sustentabilidade”, advertem os responsáveis do CEIIA, que querem pôr as empresas também a pensar em novos negócios que podem vir a associar-se à transação de AYR. O mesmo apelo é feito também às autarquias, que podem, por exemplo, passar a pedir a uma empresa contrapartidas convertíveis na nova “moeda”. Ou o licenciamento de um novo operador ser atribuído em função das emissões de carbono poupadas. “Quem quiser compensar as emissões de carbono pode começar a comprar AYR e aí fecha-se o ciclo, completa-se a circularidade”.
As hipóteses são inúmeras e poder-se-á dizer também infinitas. Mas muita coisa falta testar para saber da viabilidade de integrar este circuito. E um dos grandes desafios será evitar o mau uso das AYR, ou mesmo a especulação à sua volta, como tem acontecido com a bitcoin ou qualquer outra criptomoeda.
Os colaboradores do CEIIA já estão a usar a app e a plataforma. Chegam satisfeitos nas suas bicicletas e trotinetas. Face às emissões que não fizeram, viram já parte do seu ordenado variável serem pagos em AYR.