Se já deu por si a fazer um sprint com sacos de compras até alcançar o autocarro ou a deparar com o elevador avariado e subir escadas à pressa para chegar a horas, sabe que nos minutos seguintes estará ofegante e a transpirar. Não é propriamente um treino intervalado de alta intensidade (HIIT), mas podia ser. Pelo menos, é o que diz um estudo publicado em fevereiro no British Journal of Sports Medicine. O investigador Emmanuel Stamatakis e a sua equipa demonstraram que exercícios casuais vigorosos e de curta duração, como subir escadas “a correr” (60 passos em média) três vezes por dia, em três dias da semana e durante seis semanas, conduzem a melhorias consideráveis a nível cardiorrespiratório.
Na prática, bastam algumas doses de 30 segundos de atividade física “puxada” distribuídas ao longo do dia para maximizar o consumo de oxigénio, queimar calorias, reduzir o “mau” colesterol e o risco de doença coronária. A conclusão vai na linha das recomendações para a atividade física divulgadas no ano passado pelas autoridades de saúde norte-americanas: qualquer movimento conta, independentemente da duração.
A implicação mais óbvia do estudo dirige-se a todos os que alegam falta de tempo, dinheiro ou motivação para frequentar o ginásio. É o fim das reiteradas desculpas, cúmplices do sedentarismo, um inimigo que ganha força e presença na sociedade digital. A solução para este problema passa por encarar as rotinas diárias com outros olhos e jogar com elas a seu favor.
Um treino à medida
Luís Cerca, docente da Universidade Lusófona na área de exercício e bem-estar, costuma dizer aos seus alunos que, no registo em que vivemos, “em vez de fitness temos sitness”. Começamos o dia sentados, no carro ou nos transportes, e continuamos na escola ou no trabalho para, mais tarde, a seguir ao jantar, nos acomodarmos no sofá, com olhos postos na tecnologia, até adormecer.
O formador e master trainer das marcas Les Mills e GoFlo defende que é imprescindível “pôr a máquina a mexer e reduzir a percentagem do tempo que se passa sentado”. A consciência deste facto representa um desafio mental que tendemos a evitar. A atitude acertada implica começar por algum lado.
Para manter a saúde, “é preciso não ultrapassar entre 360 a 400 minutos parado e ser fisicamente ativo 150 minutos por semana, ou seja, 30 por dia”. Cabe a cada um decidir se pretende gerir esse tempo no registo 10+10+10 minutos, “a passear o cão, indo a pé para o trabalho ou a exercitar o corpo enquanto vê televisão”. Mas “perder peso à séria requer entre 400 e 420 minutos de exercício físico por semana (uma hora diária), além dos 30 minutos de atividade física”. Percebe-se porquê: “Ao almoço consomem-se 1 500 calorias; em 45 minutos de exercício fitness gastam-se 700.”
É aqui que entra a popularidade do HIIT que, segundo o Health & Fitness Journal, do American College of Sports Medicine (ACSM), ocupa o terceiro lugar no top 20 das tendências de mercado para 2019. O protocolo inspira-se no método Tabata, criado nos anos 1980 “para pessoas sem tempo” por um investigador nipónico especializado em fisiologia desportiva. Em vez dos 45 minutos de corrida, quatro são suficientes se feitos com exercícios de alta intensidade que produzam uma frequência cardíaca máxima próxima dos 90% – agachamentos, abdominais e outros – durante 20 segundos, seguidos de 10 em pausa, ou recuperação ativa, a um ritmo mais lento.
Estudos como os replicados na universidade norte-americana do estado da Florida, há alguns anos, permitiram demonstrar que o grupo de participantes que tinha esses intervalos gastava quase mais 10% de calorias nas 24 horas seguintes ao treino, em comparação com o grupo que fazia o programa de treino contínuo.
Adaptar é ganhar
O segredo da saúde e da boa forma está ligado ao dispêndio energético. Este calcula-se a partir de uma fórmula em que entra o valor de equivalente metabólico (MET), que mede a quantidade de atividades realizadas num determinado período. A partir desta medida conseguem-se apurar quais as rotinas diárias que exigem mais intensidade, potenciando o aumento da frequência cardíaca e o consumo de oxigénio: uma atividade física intensa ou vigorosa, com impacto real na perda de peso, tem seguramente seis ou mais MET.
Fazer a poda das árvores do jardim, cavar na horta, carregar sacos de compras pesados ou caixotes enquanto sobe lances de escadas, além de outras tarefas domésticas (como esfregar ou carregar e mudar mobília) cabem na categoria das atividades com intensidade alta. Porém, prossegue Luís Cerca, “aspirar e arrumar a casa, lavar o carro ou tratar das crianças não vai além dos três MET”. Ou seja, entram na categoria de atividades de baixa intensidade e baixo gasto calórico, a menos que se acrescente vigor e velocidade às tarefas, até sentir um aumento significativo das frequências cardíaca e respiratória.
Carregar baldes cheios de água e lenha são tarefas de intensidade moderada (5 MET), à semelhança das limpezas do jardim ou de um bom passo de dança: aceleram os batimentos cardíacos e o consumo de oxigénio e fazem transpirar, com resultados próximos dos obtidos com o treino de alta intensidade, com ou sem intervalos (HIIT ou HIT). Conclusão: perder peso e moldar a forma não é uma meta isenta de esforço. O lema “no pain, no gain” (sem dor não há ganhos) continua válido; a diferença está na forma de adaptá-lo à vida que se tem.
Vale mais algum do que nenhum
É frequente ligar-se a prática do exercício à perda de peso e aos benefícios estéticos, mas a grande vantagem da atividade física consiste em manter o estado de saúde e prevenir a obesidade e outras doenças. Associá-la a coisas que já fazemos sem sobrecarregar a agenda é meio caminho para descomplicar e tornar o processo cativante.
Assim, quem já faz percursos a pé, pode capitalizar unidades de bem-estar ao acelerar o passo (cerca de 130 por minuto) ou fazer sprints de 100 a 200 metros, que estimulam o músculo cardíaco e puxam pelo fôlego. Aqueles que perdem meia hora e acumulam nervos à procura de estacionamento, têm ganhos se deixarem o carro mais longe e usarem esse tempo para apanhar ar e dar bom uso às pernas antes de entrar no registo sedentário, na escola, no trabalho ou em casa.
Medidas como estas funcionam a médio e longo prazo, assegura Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia e da Sociedade Portuguesa de Geriatria. O cardiologista reconhece que frequentar o ginásio ou fazer atividades vigorosas num curto espaço de tempo melhora a parte metabólica, previne a diabetes, os enfartes e os AVC, mas “não reduz o peso, na medida em que se perde gordura mas também se ganha massa muscular”. Emagrecer, clarifica o médico, “passa sobretudo pela alimentação que se faz”.
Quanto ao exercício físico vigoroso, ele não se aplica a todos por igual, sendo menos aconselhável, por exemplo, a pessoas com mais de 50 anos e sem hábitos de atividade física, uma vez que potencia o risco de lesões. Doentes de risco (hipertensão, obesidade, diabetes) também devem ter cuidados acrescidos, devendo cultivar uma prática moderada e integrada nas suas rotinas diárias.
Manuel Carrageta refere ainda os resultados das investigações mais recentes do prestigiado The Cooper Institute, no estado norte-americano do Texas, e cuja conclusão se resume numa mensagem clara e simples: “O ideal é ser magro e fisicamente ativo, mas ser gordo e ter fitness é melhor do que ser magro e sedentário.” Dito de outra maneira, qualquer exercício é melhor do que nenhum.
Quanta energia gastamos?
Conheça a intensidade de algumas rotinas físicas diárias que funcionam como treinos
Atividades de intensidade ligeira (1-3 MET*)
Caminhar, lavar louça, cozinhar, aspirar a casa, passear o cão, movimentar-se no escritório e falar ao telefone sem estar sentado
Atividades de intensidade moderada (3-6 MET)
Andar num passo acelerado, pedalar até ao trabalho, tarefas na horta ou no jardim (cavar, arrancar ervas, etc.), bricolagem no lar
Atividades de intensidade alta (6+ MET)
Subir vários lanços de escadas com velocidade, carregar sacos de compras num passo acelerado, transportar móveis
*MET é o valor de equivalente metabólico que mede a quantidade de atividades realizadas num determinado período. O dispêndio energético calcula-se através da seguinte fórmula: DE (kcal) = MET x Peso corporal (kg) x Duração (minutos) / 60
Fonte: Compêndio de Atividades Físicas, FMH, 2004