Vítor Borges e Franck Laigneau dão licença para entrar neste paraíso alentejano, a sete quilómetros de Estremoz, num lugar idílico chamado Outeiro das Freiras. Percorrido o caminho traçado entre oliveiras até chegar ao estacionamento, deixado o carro para trás, sobe-se uma ladeira de acesso ao edifício principal, perfeitamente enquadrado na paisagem alentejana. É durante esta pequeníssima caminhada, num primeiro contacto com a natureza à volta e no vislumbre de pequenos edifícios que compõem o Dá Licença, que se começa a perceber a razão pela qual os donos se perderam de amores pelo lugar. De tal maneira que quiseram respeitá-lo ao máximo, numa obra de recuperação onde nada foi deixado ao acaso. O resultado é, sem dúvida, o nascimento de um dos hotéis mais especiais (e originais) a abrir em Portugal nos últimos anos.
Para se compreender o todo, porém, é importante começar pela história das partes. De um lado está Vítor Borges, português, com carreira feita no estrangeiro – viveu em oito países – trabalho no mundo das artes e da moda, mas também com experiência em gestão e marketing, que se estabeleceu durante seis anos em Paris, a trabalhar na Hermès. A acompanhá-lo nesta aventura alentejana está Franck Laigneau, francês, que chegou a ser actor e trapezista – há mesmo um trapézio na galeria do hotel -, mas foi como galerista, representante de dois movimentos artísticos, o Jugendstil e o Design Antroposófico, o mote para grande parte da decoração do espaço, que fez carreira nos últimos 20 anos, também em Paris. Do outro lado temos uma herdade com 120 hectares de colinas, um olival a perder de vista (as azeitonas são excelentes), num terreno que em tempos pertenceu às freiras do Convento de Estremoz, onde existiu um lagar explorado por uma cooperativa até aos anos 90. Vítor e Franck, que andavam a explorar o país ainda sem grande propósito definido, viram a herdade pela primeira vez ao pôr-do-sol, “com esta vista de 360º”, sublinha Vítor, e não hesitaram: aqui havia de nascer um projeto a dois. “Ainda não sabíamos o quê”, acrescenta.
O episódio aconteceu há cerca de cinco anos e picos, as obras demoraram três. “Queríamos melhorar os espaços, mas manter a memória e tradição passadas, através do artesanato, do trabalho de artesãos locais.” Para o fazer, concordaram que seria importante acompanhar o projeto de perto. Trocaram Paris por Estremoz e, confessam, viveram algum tempo “no meio do estaleiro”. A garantia de que o trabalho seria feito, sempre que possível, à mão trouxe-lhes surpresas tão interessantes como as paredes com ligeiras imperfeições, “feitas à colher pelos pedreiros. Acaba por ser uma espécie de assinatura”, explica Vítor.
Uma das primeiras certezas foi a de que todos os espaços tivessem pontos de luz natural, “para as pessoas cá dentro não perderem a ligação ao exterior. É a nossa ideia de ‘where art meets nature’”. Um trabalho cuidado que se sente nas cinco suites e três quartos (entre os 50 e os 180 m2), mas também em todos os espaços comuns, seja a sala de jantar, as de estar, a biblioteca (lindíssima) e mesmo nas zonas mais privadas de cada um dos edifícios. “Fomos muito guiados pelos edifícios que já existiam [seis no total] e não deitámos nenhuma parede a baixo. Foi um processo orgânico. O Alentejo tem esta coisa de ser grande, ter muita força. Aqui temos um espaço com dimensão, pé direito alto. Respeitámos o espaço e fizemos um hotel que contrasta com a vida nas cidades apertadas”, conta Vítor.
Para a reabilitação, contaram com o trabalho do gabinete de arquitetura Procale, em Estremoz, que os ajudou na escolha de materiais locais e no respeito ao traço alentejano, dentro da modernidade que é o Dá Licença. “Uma mistura de antigo com contemporâneo”, diz Franck. Já a decoração ficou a cargo dos dois – Vítor estudou também Belas Artes e fez pintura durante dois anos -, composta em parte pelo recheio da galeria de Paris, em parte pelo artesanato local. “Não temos o tipicamente alentejano, mas temos os artesãos. Uma inspiração regional”, acrescenta Vítor.
Os quartos são todos diferentes, desde as dimensões, à escolha das cores das colchas e cortinas, das cabeceiras das camas aos móveis que os decoram. Também as casas de banho foram pensadas e planeadas com todo o cuidado (uma das suites tem uma incrível banheira redonda em mármore branco), com recurso aos mármores brancos e rosas da região, e com os lavatórios desenhados por Vítor. De certa forma é esta proximidade ao Alentejo que querem transmitir aos hóspedes, com uma cozinha de linhas simples – muitas vezes deixada nas mãos de Vítor – feita com produtos locais, onde é possível almoçar e jantar com reserva (até 48 horas antes), seja na sala de jantar principal, seja nas outras salas mais pequenas, com mesas individuais e carregadas de peças históricas, sobre as quais Franck tem sempre algo a ensinar.
O Jugendstil é uma variante nórdica da Arte Nova francesa, num estilo geométrico, com peças vindas sobretudo da Finlândia e Noruega; já o design Antroposófico, que tem em Rudolf Steiner um precursor, no início do século XX, tem móveis com ângulos pensados para acompanhar o corpo, seja uma cadeira, seja uma caixa de tabaco.
A par das peças nas várias divisões, há uma galeria instalada no antigo lagar, num edifício ligeiramente afastado do principal e dos outros quartos e suites, no mesmo espaço onde irá funcionar um breve um restaurante aberto ao público. “É uma galeria no meio do campo. Foi a ideia de tirar os objetos dos museus e ligá-los à natureza”, conta Franck.
Assim, além de um sítio para descanso, o Dá Licença é também um poiso para conhecer novos movimentos artísticos – e há muita literatura à disposição para aprofundar saberes. Pode fazê-lo nas salas comuns, nos quartos, nas suites, todas com terraços privados e algumas com piscinas privadas, mas também nas espreguiçadeiras à volta da piscina redonda, rodeada de laranjeiras, ou no alpendre onde são feitos os pequenos-almoços e almoços nos meses quentes.
Depois, há toda a envolvente do monte, com hectares a perder de vista e onde é possível sair para passear a pé em percursos marcados no terreno. Quem quiser pegar no carro tem Estremoz mesmo ao lado, e está a pouca distância de Reguengos de Monsaraz, de Vila Viçosa, de Elvas. “É a posição perfeita para estar três/quatro dias e ir passear à volta.”
Mas uma vez no Dá Licença – ou melhor, uma vez no absoluto silêncio e comodidade do Dá Licença -, é difícil daqui queira sair.
Outeiro das Freiras, Santo Estevão, Estremoz / 962 950 540 / Quartos a partir de €270