Comecemos pelas apresentações. Eles são o atum, o bonito, porque tem uma cor azul metálica e linhas oblíquas onduladas, e ainda o sarrajão, a cavala, a garoupa em três variedades e o mero – esse mesmo, feiíssimo mas pacífico, e o único que é espécie protegida e faz sempre a alegria do mergulhador porque deixa fazer festas e dar comida à boca. Pertencem a duas importantes famílias, os serranídeos e os escombrídeos (peixes litorais que vivem junto ao fundo e sedentários, uns; bichos que se deslocam em cardumes, excelentes nadadores e predadores de topo, outros).
Muitos constam de uma lista de 40 espécies que podem desaparecer, como já alertou a União Internacional para a Conservação da Natureza, um avanço impulsionado porque o seu mar de eleição, o Mediterrâneo, já não está ameno, mas a ferver – o que até já lhe valeu a invasão do peixe-leão, um predador tropical venenoso que em apenas um ano colonizou a costa sudeste de Chipre, e também de medusas, aos molhos, a mais recente praga deste Mare Nostrum transformado num imenso cemitério marítimo, desde que os migrantes desataram a fugir da guerra e tentam atravessar o maior mar continental do mundo numas balsas de borracha.
Por isso é que, a querer recordar que estas mesmas águas já foram palco de grandes transações culturais e comerciais, vários países dos três continentes que o rodeiam, Europa, Ásia e África, se juntaram para criar a União Postal para o Mediterrâneo, em 2011. Daqui à ideia de estampar alguns dos peixes que o habitam foi um passo: a emissão especial foi lançada no sábado, 9. Cada país escolheu os seus exemplares. Os de Portugal são desenhados pelo biólogo e ilustrador científico Pedro Salgado. Estamos no seu ateliê, esta é a sua história.
Veia de naturalista
“Pode fazer um boneco para a fotografia?”, arriscamos, um pedido a que Pedro Salgado responde com um sorriso: “Cada bicho demora mais ou menos uma semana a fazer.”
Falamos de alguém que gosta tanto de desenhar peixes – e de os revelar exatamente como eles são – que os procura no seu habitat natural. “Mergulho desde miúdo”, confessa o autor, 56 anos, há vinte a fazer ilustração científica, uma descoberta dos tempos da faculdade, apesar de ter sido aos cinco anos (e isso está no seu currículo) que desenhou pela primeira vez uma criatura com barbatanas. Hoje, além destes trabalhos por encomenda – faz animais e outras representações da natureza para selos desde 1996 –, dá ainda aulas na Faculdade de Belas Artes. O seu fascínio pelo mundo marinho e pela diversidade dos animais vertebrados (mais de 20 mil espécies) está espalhado por todos os lados naquele sótão povoado de mesas e estantes a que chama ateliê, dezenas de recortes e livros encavalitados nas prateleiras. Um imenso trabalho de paciência até chegarmos aos novíssimos selos acabados de chegar às suas mãos.
São quatro selos soltos e um bloco filatélico, 40 por 30,6 milímetros os primeiros, 125 por 95 milímetros os segundos, de valor facial entre os 47 cêntimos e os 80 cêntimos cada, com o bloco a ascender aos 1,88 euros. Com tiragens entre os 40 mil e os 135 mil exemplares, o conjunto atende ao pedido feito pelos CTT – Correios de Portugal para serem peixes do Mediterrâneo, ao que o ilustrador deu um toque pessoal. “Preferi espécies que também existem no Atlântico, nas nossas águas”, explica, antes de nos mostrar o preferido desta coleção: o tal de bonito, azul metalizado. No traço, tanto usa grafite sobre papel ou poliéster como lapiseiras e lápis de todas as cores. Só na parte mais escura é que recorre à tinta-da-china. Depois, reforça o branco com borracha-pão ou com guache branco. Num ou outro caso, serve-se até de pó de maquilhagem. Seja qual for a técnica, as escamas são todas contadas, numa medição minuciosa, e as cores aferidas ao detalhe, até encontrar a tonalidade certa. Tudo somado, um conjunto destes pode demorar tanto a fazer como escrever um livro ou fabricar um carro.
“Podia ser um biólogo naturalista do século XIX”, brinca, a elogiar a linha pioneira de Darwin, esse mesmo, autor da Teoria da Evolução das Espécies, momentos antes de confidenciar que ainda hoje se espanta sempre com o que descobre, debaixo de água e um pouco por toda a natureza. “E o passo seguinte é desenhar. Só o desenho permite ir mais longe no conhecimento.”
Os nossos selos
Esta é uma edição especial da União Postal para o Mediterrâneo, criada em 2011. Além dos sete países fundadores, hoje todos os membros da União Europeia integram aquela organização
Cada país emite o seu próprio selo: só o tema – os peixes – é comum
Em Portugal, pode encontrar (e endereçar) o atum, o bonito, o sarrajão, a cavala, três variedades de garoupa e o mero
Os selos têm 40 por 30,6 milímetros, um valor facial entre os 47 cêntimos e os 80 cêntimos, e tiragens entre 40 mil e os 135 mil exemplares