Em 1984, foi editado o livro Roman por Polanski, autobiografia em que o realizador polaco revelava o homem que estava por detrás do cineasta. Agnès Varda faz o exercício inverso. Alguns dos seus filmes, como As Praias de Agnès (2009), são suficientemente pessoais para conhecermos parte da sua intimidade. Por isso o que propõe, num filme póstumo e quase testamental, é um olhar seu sobre a sua própria obra. Mas olhando-a, claro está, também se revela a si própria, porque este é um caso em que criador e criação são claramente coincidentes.
Vemos Agnès, já com 90 anos, mas de uma lucidez invejável, sentada numa pequena mesa, como se estivesse na varanda de sua casa a falar com uma audiência interessada. Vai percorrendo a sua carreira, não de forma exaustiva, mas sempre salientando episódios marcantes, detalhes que nos ajudam a melhor entender ou descodificar a sua obra. Um filme impregnado de nostalgia mas também com uma força semiótica e intertextual que fascina cinéfilos. No cinema de Varda nada é deixado ao acaso e ela aqui mostra o motivo para cada opção, tomando decisões muitas vezes ousadas, originais e disruptivas, dando razão a quem diz que construiu a sua própria nouvelle vague.
Das primeiras obras à relação com Jacques Demy, seu marido, aos filmes com Jane Birkin e Sandrine Bonnaire, é tudo tão rico como desafiante. Torna-se impressionante a vitalidade dos últimos anos, sobretudo após o êxito de Os Respigadores e a Respigadora (2000), quando Varda , sem preconceitos, se deixou seduzir pelas artes plásticas, construindo magníficas instalações que de alguma forma também reinventam o cinema.
Vendo o filme, originalmente produzido para uma série de TV, fica a ideia e a angústia de que, apesar de já contar com 90 anos, Agnès Varda ainda teria muito, mas mesmo muito, para dar ao cinema. Mas esta não deixa de ser a mais bonita e comovente forma de dizer adeus. Manuel Halpern
Veja o trailer do filme:
Varda por Agnès > De Agnès Varda, documentário > 115 minutos