Mais próximo de Taxi Driver do que de Batman Forever, Joker revolve os estereótipos dos filmes de género, levando-nos pelos melhores caminhos do cinema norte-americano independente, no contexto onde menos se esperava. Assim se explica o sucesso no Festival de Veneza, em que ganhou o Leão de Ouro, e a previsível caminhada para os Oscars. A ante-história do vilão da DC Comics encontra textura humana num mundo animal.
Não é a primeira vez que Hollywood aprende e se reinventa a partir do exterior – e não é por acaso que, ao longo dos tempos, alguns dos maiores nomes da indústria norte-americana tenham chegado da Europa. Aparentemente, aqui, perante uma saturação de fórmulas de blockbusters de super-heróis, redescobre-se num estilo cru, sem a espetacularidade dos efeitos especiais, aplicando um olhar realista sobre um universo fantasioso, dando o toque humano que prevalece sobre o fogo de artifício.
Joker é um filme de ator. Muito mais do que aquilo que aconteceu com as famosas interpretações desta personagem por Jack Nicholson e Heath Ledger. Joaquin Phoenix está para Joker como Mickey Rourke para The Wrestler ou Robert De Niro para Taxi Driver. É a sua alma sóbria e visceral. Tal como no clássico de Scorsese, o filme só tem duas grandes personagens, o inadaptado protagonista e a própria cidade. A cidade, Gotham, começa por ser um ente abstrato, cruel e implacável, que o devora, sem lhe dar qualquer hipótese. Gotham é o primeiro dos vilões. O processo de adaptação social de Joker dá-se pelo lado mais oblíquo. No mundo de cães, ele quer ser lobo; inverte o modelo para se integrar e dominar a metrópole. Joker é vítima e carrasco de Gotham – e, subitamente, o seu maior herói. O filme esconde camadas de leitura, até políticas. Facilmente daqui se extrapolam alusões à falência das democracias e à expansão dos movimentos populistas.
Joker tem elementos para agradar diferentes públicos, embora possa desiludir quem nele busque apenas mais uma história de super-heróis. O filme é quase perfeito e apenas se lamenta o pós-clímax, um pouco esticado e confuso, que embrulha a natural fluidez.
O primeiro ator a interpretar Joker foi Cesar Romero, nos anos 1940, primeiro na televisão e depois no cinema. Para a História ficaram Jack Nicholson e Heath Ledger (em O Cavaleiro das Trevas, de 2008).
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Joker > De Todd Phillips, com Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz > 121 minutos