Sãozinha foi abandonada pelo pai num orfanato religioso, na Lisboa dos anos 50 do séc. XX, um lugar sinistro que funcionava como uma camuflada “fábrica” de criadas para famílias abastadas. A história verdadeira, contada por Afonso Cruz (e integrada no seu próximo romance) a Ana Luena e José Miguel Soares, diretores artísticos da Malvada Associação Artística, foi por eles apropriada nesta coprodução com o Teatro Nacional São João, fazendo a ponte com a atualidade e com outros temas que queriam ver debatidos. “Interessou-nos a questão da violência que somos capazes de exercer sobre o outro, e também esta ideia de escravatura, do aproveitamento de pessoas numa situação de fragilidade e de desproteção por parte de quem tem o exercício de poder”, conta Ana Luena, que assina o texto, a encenação, a cenografia e os figurinos.
Quatro atrizes – Mariana Magalhães, Nádia Yracema, Susana Sá e Matilde Magalhães – interpretam múltiplas vozes, ecos de diferentes relatos de abandono e abusos. Essenciais para a construção de Bonecas foram as experiências de criação artística partilhadas com um grupo de raparigas de um centro de acolhimento temporário, bem como com mulheres vítimas de violência doméstica a viver numa casa-abrigo. Como fonte de inspiração tiveram, igualmente, o processo criativo do universo cruel e feminino de Paula Rego. “Tem uma relação muito forte com a literatura, e o espetáculo fala da importância das histórias, de como um livro nos permite ser, e olhar, o outro; tal como o teatro”, sublinha Ana Luena. Porque, acredita a encenadora, “quando deixarmos de inventar, de contar ou de acreditar em histórias, há uma espécie de morte antecipada.”
Bonecas > Teatro Carlos Alberto > R. das Oliveiras, 43, Porto > T. 22 340 1910 > 11-21 jul, qua e sáb 19h, qui-sex 21h, dom 16h > €10