Fazemos uma viagem ao passado, mas através de uma temática que só podia ser do presente. Explicamos: vemos a nova criação da dupla Ana Borralho e João Galante e regressamos à dança portuguesa de há 25 anos, em termos formais e também tonais, mas que aborda a questão do acesso às novas tecnologias – alastrada a todos nós. Com estreia esta quinta, 11, na Culturgest, em Romance Familiar ou a Realidade Aumentada começamos por ouvir uma toada noise, monocórdica, a remeter-nos para um ambiente distópico. Em fundo, num ecrã gigante, vão sendo projetadas sms escritas em tempo real e lidas de forma robótica, através de uma aplicação de conversão de texto em voz. Um a um, os 16 performers entram em palco, agarrados ao seu telemóvel.
Aos poucos, cada performer vai tirando a roupa, sempre a fotografar-se e a enviar a imagem, ao mesmo tempo que escreve sms. Os movimentos intercalam entre a histeria de um head banging e a opção do slow motion para tirar uma foto – em que não se toca em nada, apenas se simula. Mas, dentro desta nova realidade, apresentada aqui como distopia, florescem ramos utópicos. Um deles é o facto de estes 16 performers – velhos, novos, brancos, negros, homens, mulheres, altos, baixos, magros, gordos – formarem, hoje, uma massa tão homogénea que poderíamos dizer que a questão de identidade, seja de género, orientação sexual, raça, estética ou idade, foi aqui finalmente abolida. “A peça tem este lado apocalíptico, o fim dos humanos como os conhecíamos. Aqueles corpos parece que já nem existem, só existe a projeção deles”, diz João Galante, referindo-se ao “lado ditatorial da máquina”. “Mas, se há um lado positivo, é o possível uso de determinadas tecnologias para conseguir dizer e mudar coisas”: “morte ao macho branco cis-hetero”, “tenho de arranjar um espelho retrovisor para a alma”, “a minha mãe foi violada pelo vizinho da aldeia, mas nunca disse nada a ninguém”
Romance Familiar ou a Realidade Aumentada > Culturgest > R. Arco do Cego, 50, Lisboa > T. 21 790 5155 > 11-13 abr, qui-sex 21h, sáb 19h > €12