Sabemos da atenção por ele dedicada a outros artistas, desligando-se pontualmente do umbilicalismo exigido pela carreira própria. Pedro Cabrita Reis protagonizou, em 2016, a grande história do colecionismo nacional, ao vender à EDP a sua coleção de quase 400 obras de arte, adquirida a partir de meados dos anos 1990 a artistas então emergentes (muitos destes hoje consolidados no panorama nacional e internacional). A Metade do Céu é outro tipo de exercício, menos possessivo, mais criativo: a curadoria de uma mostra coletiva construída apenas com artistas femininas (se se salvaguardar a dupla Sara & André), anunciada como um gesto livre de “qualquer condicionalismo temático, desprovida de uma narrativa curatorial e que se quer, aliás, alheia ao artifício discursivo”.
Propõe-se “um território de confronto”, sublinhado pelo “conflito que lateja em cada trajetória” e pela “perscrutação do lado lunar de cada artista, dando a ver, sempre que possível, o que menos se espera dela”. E remata-se com o carácter pluridisciplinar patente nas cerca de 90 obras expostas no museu, distribuídas por desenho, pintura, escultura, instalação, fotografia e vídeo.
Sessenta artistas foram chamadas a este alinhamento: há nomes maiores da história de arte portuguesa, como Josefa D’Óbidos (de que escolheu uma natureza-morta para ser “redescoberta à luz da produção artística atual”), Aurélia de Sousa (pintora naturalista de inícios do século XX), Sarah Afonso (modernista e mulher de Almada Negreiros), Túlia Saldanha (performer que integrou a Alternativa Zero, em 1977)… E há Vieira da Silva, claro. E, ainda, consagradas como Graça Morais, Helena Almeida, Lourdes Castro, Menez, Paula Rego… Há as cartas fora do baralho: Ana Hatherly, Júlia Ventura, Susanne Themlitz…
Há nomes da geração Berlim, como Adriana Molder, Filipa César e Leonor Antunes, incontornáveis como Joana Vasconcelos, e representantes das novas gerações: Cecília Costa, Rita GT, Salomé Lamas, Sara Bichão… Cabrita Reis defende que “a arte foi e será sempre avessa e imune à ideologia”. Mas um projeto expositivo criado com mulheres artistas, em tempos de #MeToo e reivindicação de direitos de género, poderá ser entendido como menos do que um manifesto?