Se há coisa que a arte não se tem cansado de fazer é apontar o dedo a problemas graves que assolam o mundo nos dias de hoje e que tendem a tornar o atual espírito do tempo carregado de nuvens bem cinzentas. É o caso da questão das migrações e dos refugiados, dos botes que se afundam no Mediterrâneo, na forma como tendemos a recear o “outro”. A arte leva a demanda mais longe e consegue perceber, como é o caso aqui, que este receio do diferente se encontra colado à possibilidade de poder sobre esse “outro” – seja ele qual for.
Aqui, a história é uma conversa entre dois emigrantes a dividirem aquilo que se presume ser uma cave infecta; são oriundos do mesmo país, mas um é uma pessoa humilde, sem estudos, a tentar ganhar o sustento para a família, e o outro, um intelectual no exílio. O segundo desdenha do primeiro, despreza-o, provoca-o, insulta-o, acha que pode extrair dali matéria para escrever um livro. Claro que o mesmo acontece na direção oposta, porque todos temos a imaginação fértil de preconceitos que podemos jogar sobre/contra os outros.
“Pareceu-me que era uma altura politicamente pertinente para falarmos de emigrações e imigrações. Numa altura em que estamos a ouvir falar das fronteiras entre os EUA e o México, a Venezuela e o Brasil…”, reflete Ricardo Boléo, o encenador e autor da dramaturgia desta peça. A conversa entre os dois emigrantes decorre na noite de Passagem de Ano, num espaço claustrofóbico – em fundo, há uma paisagem sonora (ténue, mas sempre presente, o som de um motor). As interações entre estes dois homens fazem-nos chegar a uma conclusão óbvia: no fundo, estamos lá para o outro e somos todos parte de um mesmo – aquilo a que comummente chamamos sociedade.
#Emigrantes > Teatro da Trindade > Lg. da Trindade, 9, Lisboa > T. 21 342 0000 > 20 mar-28 abr, qua-sáb 21h30, dom 17h > €8-€10