Os quatro atores em palco vestem de azul-acinzentado, o mesmo tom do espaço cénico, que não está adornado com quaisquer objetos (à exceção do que acontece no final). Podia ser como no filme de João César Monteiro, Branca de Neve, a história contada através de um ecrã a negro, pontuado por fotografias a servir de separadores e estrutura à história. Em Il Cielo Non È un Fondale, da dupla de encenadores italianos Daria Deflorian e Antonio Tagliarini, os atores chegam a pedir aos espectadores para fecharem os olhos por diversas vezes. E uma das atrizes pontua também a estrutura da sequência narrativa, mas com canções. É a recuperação do modo operático da tradição oral, prévio à existência do romance, que nos levou a alimentar-nos de histórias por via da leitura e do silêncio.
Il Cielo Non È un Fondale intrinca uma série de histórias que vão sendo contadas, à vez, pelos atores. O processo criativo foi o de cada um partir de uma situação autobiográfica para poder chegar a uma ideia de país, de sociedade, dos dias de hoje. “A escritora francesa Annie Ernaux foi o nosso grande modelo. O seu trabalho é autobiográfico, mas não fala sobre ela própria, fala do mundo, através das suas experiências biográficas”, explica Daria Deflorian. “Quando lemos um livro dela, conseguimos ver todas as questões políticas, sociais e históricas de uma dada época”, complementa Antonio Tagliarini.
O encenador teve um acidente de carro grave que o impediu de avançar na sua carreira de bailarino, quando esta começava a vingar; nesse preciso momento, Daria era empregada de mesa e questionava-se sobre como é que uma licenciatura a tinha levado ali. As histórias continuam a puxar umas pelas outras e acabam por nos levar a questões que tanto podem ter que ver com amizade como, por exemplo, com imigração. “O nosso desejo é o de trabalhar a paisagem, o contexto”, explica Daria. “Roma, por exemplo, é uma cidade muito dura”, acrescenta Antonio. “Como chegar mais perto dos outros? Quem são os outros que estão à nossa volta?”
Il Cielo Non È un Fondale > São Luiz Teatro Municipal > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7640 > 14-16 dez, sex-sáb 21h, dom 17h30 > €12-€15