Na ilha norueguesa de Utoya, no dia 22 de julho de 2011, um homem armado, inspirado no discurso da extrema-direita, disparou sobre jovens indefesos que ali se encontravam no acampamento do Partido Trabalhista. O massacre de Utoya foi agora levado ao cinema por Erik Poppe, um dos mais interessantes realizadores noruegueses contemporâneos. A pergunta que se impõe é “para que serve este filme?”. Como ir além do voyeurismo primário ou da exploração da tragédia alheia? A resposta é dada pelo realizador numa espécie de nota de intenções que aparece no final deste Utoya, 22 de Julho. Perante a ascensão da extrema-direita europeia, pareceu-lhe importante não apagar a memória e mostrar, no limite, onde a deriva de ódio pode levar.
Poppe é eticamente irrepreensível: não dá ao assassino a dignidade de um rosto nem sequer de um nome. Também não o trata como um mero psicopata, lobo solitário, louco − ele está ali como símbolo de uma ideia que prolifera, um Belzebu político-social, um braço armado de extremistas. A câmara nunca sai de perto dos jovens. Deambula entre eles, à procura de uma saída, tenta perceber o que se passa, busca um refúgio. Ninguém sabe que demónio os ataca. Se é um homem sozinho ou um grupo armado. Tão-pouco se conhecem as suas intenções. Há apenas uma luta pela sobrevivência, com momentos de solidariedade, instinto, autodefesa, muito sangue, muitas lágrimas. Nós, a câmara, somos mais um jovem perseguido por um demónio sem rosto.
O filme, na sua estética realista, de proximidade, faz-nos viver o pesadelo. O realismo é altamente perturbador, mas uma estilização da tragédia seria inadmissível. Curiosamente, um outro filme sobre este ataque terrorista está prestes a estrear (22 de Julho, de Paul Greengrass). Mas a perspetiva de Greengrass não se centra no massacre, antes nas semanas que se lhe seguiram e na forma como as autoridades norueguesas, os sobreviventes e a sociedade lidaram com a tragédia.
Veja o trailer do filme
Utoya, 22 de Julho > De Erik Poppe, com Andrea Berntzen, Aleksander Holmen, Solveig Koløen Birkeland > 93 minutos