Quando visitámos a tipografia, num dos últimos dias de maio, Rui Damasceno, 62 anos, compunha com minúcia uma frase com vários tipos (pequenas letras em chumbo ou madeira), que haveria de imprimir numa lembrança da Primeira Comunhão. “Coisa rara. Já poucos me pedem isto”, diz o dono da Tipografia Damasceno, chegada aos 50 anos na estreita Rua de Montarroio, próxima do Pátio da Inquisição, na Baixa de Coimbra. Com a evolução dos tempos, poucas são as impressões em chumbo que passam pelas antigas máquinas da tipografia aberta em 1969 pelo pai, João Damasceno, e pela mãe, Odete Paixão – a única tipógrafa do País, “e talvez do mundo”, realça Rui, que aqui trabalha desde os 12 anos.
A loja é um regresso ao passado: vários cavaletes de madeira com caixas e caixotins onde se arrumam os tais tipos, de acordo com o uso – o A e o O mais à mão, o X e o Y mais afastados –, tudo medido com a ajuda de um tipómetro (régua que mede corpo e altura da letra). “Isto é como se fosse um teclado do computador”, compara Rui Damasceno. Avista-se um prelo de ferro (de 1870), idêntico ao pombalino, e dezenas de equipamentos de impressão por onde passou a primeira capa do designer João Bicker para o livro A Greve dos Controladores de Voo, de Jorge Sousa Braga (Fenda, 1984), ou, anos antes, o material de propaganda do Movimento Democrático de Mulheres, que valeu uma rusga da PIDE. Hoje, são os livros de pequena tiragem que lhe ocupam os dias. Especialmente os da designer Joana Monteiro, que mal aqui entrou, há uma década, chegada de Londres, logo se encantou. De tal forma que, com o designer Paul Hardman, criou o Clube dos Tipos para “promover a técnica dos carateres móveis”. Além de um livro para celebrar os 50 anos da tipografia e do Manual Prático do Tipógrafo, Joana fez ali a capa do disco dos The Millions e conta lançar Vozes de Letras, a partir da obra de João Pedro Mésseder. A designer quer transformar a Damasceno “num museu vivo”, provando que há futuro para as velhinhas tipografias.
Tipografia Damasceno > R. de Montarroio, 45B, Coimbra > T. 239 822 210 > seg-sex 8h-18h