“Um jardim quer-se explorado e revisitado vezes sem conta.” A frase lê-se na página 43 do novo livro Jardins de Lisboa – Histórias de Espaços, Plantas e Pessoas, do professor Ivo Meco, e serve de pretexto para uma conversa, no Jardim Botânico de Lisboa, no Príncipe Real. “Seja em passeio seja de passagem, devemos visitar os jardins”, diz, assim que nos sentamos num banco, de costas voltadas para um teixo (Taxus baccata), conhecido, explica o nosso interlocutor, pela árvore dos mortos. “É uma planta tóxica, que existia muito em cemitérios. Deixou de se plantar, porque as raízes infiltravam-se nas campas e também porque os cavalos, por exemplo, comiam uns frutos vermelhos que ela dá e não lhes fazia propriamente bem. Os celtas e os germânicos usavam-nas para fazer setas, por causa dessa mesma toxicidade.”
É destes pequenos detalhes curiosos que se descosem as centenas de histórias do livro, lançado este mês, onde o autor se debruça sobre seis jardins de Lisboa: Jardim Botânico da Ajuda, Parque Botânico do Monteiro-Mor, Jardim da Estrela, Jardim Botânico de Lisboa, Jardim Botânico Tropical e um três em um, com a Estufa Fria, Estufa Quente e Estufa Doce. “A ideia inicial era ter uma seleção pequena, de dez jardins, sem cair naquela ótica do guia mais descritivo, mas que juntasse histórias, memórias pessoais e mesmo a ligação dos jardins entre si – como o caso do dragoeiro que está neste jardim [Botânico] e vem da Ajuda”, conta. Mas o trabalho foi sendo podado e, depois de “passear, visitar, estar, ouvir e sentir os jardins”, o professor formado em Biologia e Geologia, sócio da Sociedade Portuguesa de Botânica, estudioso e grande entusiasta da área, fixou-se apenas em seis.
O livro surgiu a convite da editora Arte Plural, após Ivo Meco, alentejano, nascido em Sines, ter participado como convidado “quase residente” no programa Paraíso, da RTP, sobre vários jardins portugueses. Entre a primeira conversa e o trabalho final, passou pouco mais do um ano. Tal como uma planta, o livro tornou-se um organismo vivo que ora intercala dados históricos sobre Lisboa e o nascimento dos primeiros jardins no pós-Terramoto de 1755 – através dos quais se sustenta para contar a génese destes seis parques verdes – ora chama a atenção para determinadas espécies, sem se tornar exaustivo.
Papagaios e figueiras
Jardins de Lisboa não pretende ser uma radiografia completa a cada um dos jardins, mas uma chamada de atenção para os (re)ver com outros olhos. Há sempre um ponto de partida proposto pelo autor, com um percurso que pode (e deve) seguir com o livro debaixo do braço. Só assim encontrará espécies como a ameixeira-do-natal, no Jardim Botânico de Lisboa, uma planta arbustiva originária da África do Sul, com folhas brancas polinizadas que originam frutos comestíveis, semelhantes a ameixas. “Uma das razões para haver tantos papagaios neste jardim, e em Lisboa, é a existência de muitas plantas, como esta, com frutos que eles podem comer.” Nas páginas do livro, aprende-se também a história dos dragoeiros em Lisboa, que atualmente se encontram em vários jardins (Ajuda, Monteiro-Mor e Estrela), mas que existem desde o século XV; que o Jardim da Estrela deve ser mais do que um sítio de passagem e piqueniques, onde moram espécies como a paineira (Ceiba speciosa), sul-americana, de folha caduca, que fica despida de folhas no outono e dá flores formadas por cinco pétalas, com base de branco-amarelado, manchas cor-de-rosa-forte e extremidade rosa; que o Jardim Botânico Tropical é o que possui a maior variedade de espécies do género Ficus (figueiras); ou que à entrada da Estufa Fria, nos canteiros de bananeiras e estrelícias-arbóreas se encontra uma bananeira-da-abissínia (Ensete ventricosum), com folhas de mais de dois metros de comprimento e 80 centímetros de largura.
Sobre a preservação dos jardins, Ivo Meco reflete que “é preciso olhar para estes espaços como uma coleção de elementos vivos, que crescem e tombam e estão todos ligados entre si. Basta que uma árvore comece a apodrecer que é um problema para as que estão à volta”. E acrescenta: “Se pensarmos bem, as plantas são a base de várias coisas. Da medicina, da farmacêutica, da engenharia, até da internet: as raízes tocam-se, interligam-se entre si. O que fazemos aqui pode influenciar o que acontece do outro lado do mundo.”
Espécies a descobrir
Jardim Botânico de Lisboa
Bola-rosa
Árvore de porte médio e folhas grandes e aveludadas, no inverno floresce em bolas cor-de-rosa. É uma espécie nascida sob os céus de Lisboa, pelas mãos do jardineiro francês Henri Cayeux, que aqui trabalhou no final do século XIX.
Jardim Botânico da Ajuda
Planta-fita
Arbusto originário da Oceânia, no verão dá flores brancas aglomeradas em tufos, pequeninas folhas e bagas cor-de-rosa avermelhadas. Uma verdadeira obra de geometria.
Parque Botânico do Monteiro-Mor
Salepeira-gigante
Encontra-se na zona do pinhal e floresce nos meses de janeiro e fevereiro. É a maior orquídea espontânea do nosso país, podendo chegar aos 50 cm de altura. As cores das flores variam entre o cor-de-rosa e o púrpura, a zona central do lábio é branca com manchas cor-de-rosa forte e as margens esverdeadas.
Jardins de Lisboa – Histórias de espeaços, Plantas e Pessoas (Arte Plural Edições, 168 págs., €18,80) não pretende ser uma radiografia completa a cada um dos jardins, antes uma chamada de atenção para os (re)ver com outros olhos.