Nos jardins do Parque D. Maria II, fronteiro ao Mosteiro de S. Bento, um lugar de destaque foi reservado para a obra de Pedro Cabrita Reis. Chama-se Uma Escultura para Santo Tirso e, como o próprio artista a descreveu em tempos, trata-se de “um casinhoto tosco”, feito de tijolo cerâmico e betão. Será, porventura, a mais polémica das 55 obras que integram o circuito do Museu Internacional de Escultura Contemporânea (MIEC) e desperta gratas (ou engraçadas?) recordações a Álvaro Moreira, que acompanhou toda a produção da peça. “Foi instalada em 2001, pouco antes de umas eleições locais, e o então presidente da câmara estava muito preocupado, mas o projeto prevaleceu”, conta o diretor do MIEC. “Inicialmente, as pessoas pensavam que a obra não estava concluída, que era uma casa para instalar o motor, porque existe a queda de água ao lado. Criou-se uma certa confusão e, depois, com o tempo, foram percebendo melhor a obra de Cabrita Reis e tomaram consciência da sua importância na cena contemporânea portuguesa.”
Em 2018, quando Cabrita Reis regressou a Santo Tirso para realizar a exposição La Grande Table, et al… e fez uma intervenção sobre a escultura, destruindo-a parcialmente (o que sempre esteve previsto), novo burburinho correu pela cidade. “Foi muito curioso, porque a primeira reação foi: ‘Estão a estragar a nossa escultura!’ Até houve quem tivesse a iniciativa de alertar a polícia municipal”, recorda Álvaro Moreira. Estas e outras apropriações do parque escultórico por parte da população são provas, acredita o diretor do museu, de uma outra maneira de viver e encarar a cidade.
As origens deste projeto museológico ao ar livre remontam a 1990, por iniciativa do escultor Alberto Carneiro (falecido em 2017), natural de Santo Tirso, que propôs ao município a realização de simpósios dedicados à escultura pública contemporânea. Com o formato bienal, cada edição implicava encomendas a cinco artistas de renome, e rapidamente se chegou a um conjunto escultórico único no panorama nacional, pela dimensão e pela manutenção dos critérios de curadoria, a cargo de Alberto Carneiro e do professor e crítico de arte Gérard Xuriguera. “Foi a notoriedade de ambos que permitiu que o projeto acontecesse, porque os autores recebiam uma pequena participação financeira, uma ridicularia comparativamente com o valor comercial das obras, com preços proibitivos”, defende Álvaro Moreira. “O custo de produção, feita em Santo Tirso, era sempre controlado e havia a recomendação de que não se utilizassem materiais caros e de que os mesmos fossem de fácil manutenção”, acrescenta. A partir de 2015, cessaram os simpósios, mas a coleção continuou a crescer, optando-se por encomendas particulares.
Souto Moura e Siza Vieira
No perímetro urbano de Santo Tirso, distribuídas por praças, parques e jardins, facilmente se tropeça em obras do próprio Alberto Carneiro e de José Barrias, Fernanda Fragateiro, Zulmiro de Carvalho, Ângelo de Sousa, Rui Chafes, José Pedro Croft, só para referir alguns autores nacionais. Mas também de artistas internacionais de relevo, de diferentes origens e correntes artísticas, como o espanhol Miguel Navarro, o francês Philippe Perrin, o japonês Kishida Katsuji, o chinês Wang Keping, o coreano Um Tai-Jung, o suíço Peter Stämpfli, o alemão Peter Klasen, o venezuelano Carlos Cruz-Diez, o belga Paul van Hoeydonck ou o italiano Mauro Staccioli, entre muitos, muitos, outros. Uma profusão de formas, materiais, cores e estilos, ao alcance de uma caminhada, mais ou menos longa, dependendo da energia do visitante.
O acervo, pela mais-valia dos autores, tinha significado para albergar um centro de acolhimento e de documentação, onde o visitante pudesse recolher toda a informação sobre o parque escultórico e, ao mesmo tempo, desfrutar de uma oferta dinâmica de arte contemporânea. Naturalmente, interessava ao município convidar arquitetos de igual valia e, nesse sentido, fez-se a encomenda a Eduardo Souto Moura e Álvaro Siza Vieira.
Como existia a necessidade de reabilitar o Museu Municipal Abade Pedrosa, que ocupa parte do Mosteiro de S. Bento, uniram-se ambos os projetos no mesmo local, e foram concluídos em 2016. No edifício novo, de linhas depuradas adaptadas à austeridade monástica do contexto, concentra-se o átrio de acolhimento e, no piso inferior, as salas de exposições temporárias do MIEC e do serviço educativo. Na ala antiga, fez-se uma interligação alinhada de todas as salas, como uma linha do tempo que retrata a ocupação deste território, começando com uma peça do Paleolítico Médio, 50 mil anos a.C., e terminando com uma máquina têxtil, alusiva à Revolução Industrial de meados do século XIX. “O projeto tem sido gerador de um fluxo de visitas muito interessante de amantes da arquitetura”, sublinha Álvaro Moreira. Só no ano passado, contou com a presença de 18 nacionalidades nas visitas guiadas.
A presença beneditina
Inevitável é prolongar a visita e conhecer o restante Mosteiro de S. Bento, implantado na margem esquerda do rio Ave. O edifício foi construído em 1659-79 e está classificado como monumento nacional desde 1910. E é um dos que integram a candidatura a fundos europeus de uma rede de mosteiros e paisagens beneditinos no Norte de Portugal (oito, no total). Na fachada, três nichos alojam as esculturas de Santo Tirso (mártir do séc. IV), ao centro, ladeado por S. Bento e Santa Escolástica. São estas figuras que nos guiarão agora por outras paragens, até à freguesia de Roriz, onde a presença beneditina se fixou, após a expropriação dos bens das ordens religiosas em 1834.
Graças a uma doação particular, os beneditinos puderam regressar a este território, fundando-se o Mosteiro de Singeverga em 1892, rodeado por uma vasta propriedade agrícola, com 80 hectares. Com o crescimento da comunidade, na primeira metade do séc. XX, avançou-se com a construção de um novo edifício, entre 1953-57, projeto de linhas modernistas por concluir. É o abade Bernardino Costa quem nos leva a conhecer alguns dos espaços mais emblemáticos. E a visita começa pela igreja, remodelada há 15 anos. Foi mais ou menos por esta altura que receberam a notícia de uma herança significativa. Um quadro de grandes dimensões, de autor desconhecido, retratando a adoração dos magos. Só em 2018, após um congresso com vários entendidos, se chegou a um consenso sobre a autoria: o mestre italiano Tintoretto (1518-1594), em conjunto com os seus discípulos. A tela ocupa um lugar central no espaço litúrgico e, hoje, é uma das principais atrações de Singeverga. “Quando temos a luz de maio a bater nas janelas, ao final da tarde, parece que entramos pelo quadro adentro”, conta o abade Bernardino.
Por marcação, é possível agendar uma visita geral a Singeverga e conhecer esta e outras preciosidades. Por enquanto, não é cobrada qualquer quantia, mas aceitam-se donativos e vendem-se produtos feitos pelos próprios monges. O acolhimento aos grupos faz-se na Sala do Capítulo, com a imagem de Cristo Ressuscitado da autoria de Charters de Almeida e os murais alusivos a Roriz do artista plástico brasileiro Cláudio Pastro. Aqui é servido o célebre licor da casa e as bolachinhas das irmãs beneditinas (lá chegaremos). “Muita gente faz licores caseiros, mas não há comparação possível”, defende o padre Albino, responsável pela supervisão do processo de produção, moroso e praticamente artesanal, dividido em várias etapas. A receita, feita por um engenheiro químico, mantém-se no segredo dos deuses (ou de um só Deus), mas, nos frasquinhos dispostos na adega, são reveladas algumas das especiarias usadas (como açafrão, baunilha, pau de canela, cravinho, semente de coentros ou cálamo aromático). As gravuras da caixa, alusivas à vida de S. Bento, e o formato da garrafa (feita por sopro, na Marinha Grande) são similares aos do início da produção, em 1945, tal como o carimbo de chumbo que a sela.
Quem anseie por paz e silêncio poderá ficar em retiro no mosteiro. “Não é um hotel, aceitamos pessoas que chegam com algum propósito espiritual ou uma recomendação”, sublinha o abade Bernardino Costa. “Há quem venha à procura de Deus e quem precise apenas de sossego para estudar”, conta. Todos os hóspedes podem participar na oração litúrgica diária e tomar as refeições em conjunto com a comunidade. Há dois anos, à hospedaria interior (com 15 quartos, só para homens), dentro do espaço de clausura, foi adicionada uma exterior, completamente independente e moderna, com oito quartos (dois deles para casais), cozinha equipada, uma singela e belíssima capela, com peças da autoria do escultor Paulo Neves, e um vasto jardim.
Um pouco mais à frente, neste vale, avista-se o Convento de Santa Escolástica, das monjas beneditinas, as guardiãs das receitas das bolachas, ali pacientemente produzidas à mão e vendidas (com êxito), numa caixa de cartão graciosa. Outro edifício parcialmente concluído, em 1937, desta vez da autoria de Raul Lino, nome maior da arquitetura portuguesa. Embora atualmente em obras, também dispõe de uma hospedaria (só para mulheres). “As pessoas chegam muito esgotadas, precisam de tempo para parar e pensar”, descreve Maria do Carmo Tovar, a madre superiora. “Aqui, encontram alguém que as ouve.” E conseguem ouvir-se. No ar, pairam os aromas das flores e dos frutos… e das bolachinhas acabadas de fazer.
No rasto da doçaria
Continua o apelo dos doces, no centro de Santo Tirso. Os da Confeitaria Moura são obrigatórios. Criada em 1892, a casa mantém a produção artesanal diária e a qualidade das matérias-primas, cumprindo a receita dos célebres jesuítas, trazida por um mestre pasteleiro espanhol contratado pelo fundador. Com o formato das vestes de um religioso, os pastéis de massa folhada, com uma cobertura feita de açúcar e claras, continuam no topo das vendas, seguidos dos tirsenses (aparas de massa folhada com um recheio à base de creme de amêndoa), dos pivetes (viciantes biscoitos secos de chá), do pão de ló, dos limonetes ou dos folhados salgados. Remodelada há três anos, a confeitaria exibe agora novas instalações, com um mural de fotografias onde se conta um pouco da história deste negócio familiar, já na quarta geração.
Ali bem perto, no Largo Coronel Baptista Coelho, fica outra confeitaria histórica, a S. Bento, existente há 80 anos e desde há dois gerida por Luísa Pelayo. Manteve o fabrico próprio e a especialidade da casa, a tarte de S. Bento, feita de massa folhada, creme de pasteleiro e chantilly. E é ela quem afirma: “Ainda há muitas pessoas que vêm propositadamente a Santo Tirso para comer os nossos doces.” Entretanto, no largo, outros negócios floresceram, nomeadamente uma oferta variada de bares. Do Café Del Rock (com guitarras penduradas no teto, fotos de estrelas da música nas paredes e cerveja sempre a jorrar, de várias marcas estrangeiras) ao vistoso O Alfaiate, inaugurado em março, com cocktails de autor criados a partir da temática dos têxteis, como um manto de fado, que inspira uma bebida à base de um licor português, ou um tecido escocês associado ao whisky.
Ali bem perto, no Largo Coronel Baptista Coelho, fica outra confeitaria histórica, a S. Bento, existente há 80 anos e desde há dois gerida por Luísa Pelayo. Manteve o fabrico próprio e a especialidade da casa, a tarte de S. Bento, feita de massa folhada, creme de pasteleiro e chantilly. E é ela quem afirma: “Ainda há muitas pessoas que vêm propositadamente a Santo Tirso para comer os nossos doces.” Entretanto, no largo, outros negócios floresceram, nomeadamente uma oferta variada de bares. Do Café Del Rock (com guitarras penduradas no teto, fotos de estrelas da música nas paredes e cerveja sempre a jorrar, de várias marcas estrangeiras) ao vistoso O Alfaiate, inaugurado em março, com cocktails de autor criados a partir da temática dos têxteis, como um manto de fado, que inspira uma bebida à base de um licor português, ou um tecido escocês associado ao whisky.
Entretanto, a quem procura cenários mais bucólicos, Santo Tirso, que ficou conhecida como “a princesinha do Ave”, oferece muitas alternativas, próximas do núcleo urbano. O Parque do Ribeiro do Matadouro, que implicou a requalificação de uma antiga propriedade agrícola com cerca de 1,5 hectares, mereceu os elogios da revista World Landscape Architecture, por altura da sua conclusão, em 2014. Um projeto do coletivo aRq., que resulta de uma combinação harmoniosa de elementos naturais (a vegetação arbórea existente foi preservada) e artificiais com algo de escultórico.
A pedir passo firme, há ainda um percurso pedonal nas margens do rio Ave, com 1,5 quilómetros. Quem sai do centro, logo no início, encontra um cenário inusitado: uma praia urbana, com areia artificial e repuxos de água, que, durante os meses de maior calor, tem tido muito êxito. O passeio faz a ligação ao Parque Urbano Sara Moreira, uma imensa mancha verde, com mais de 96 mil metros quadrados, assente numa mata de carvalhos e sobreiros. Além de café, zona de merendas, anfiteatro e circuito de manutenção, o parque dispõe de uma área desportiva, com campos de futsal, basquetebol, ténis e voleibol de praia. À vertente de lazer juntou-se a cultural. Ali se concentram nove obras da coleção do MIEC. Uma delas, Sesriem – Poço das Seis Correias, da moçambicana Ângela Ferreira, confunde-se com um carrossel. É sentar à sombra de uma árvore e ver as crianças empoleiradas na escultura, numa roda-viva.
MORADAS
DORMIR
Hotel Cidnay
Aberto em 1991, é a referência da cidade. Com quatro estrelas, sofreu remodelações recentes, mantendo a decoração sóbria e elegante. O restaurante Dona Unisco, com uma cozinha apoiada nos melhores produtos locais e nacionais, é uma das grandes apostas. R. Dr. João Gonçalves, Santo Tirso > T. 252 859 300 > a partir de €107
8 Villas
Um edifício reabilitado do centro histórico, com miolo inteiramente moderno, acolhe este pequeno hotel. R. Sousa Trepa, 4, Santo Tirso > T. 91 052 4163 > a partir de €75
COMER
Cá-te-espero
É um dos restaurantes históricos de Santo Tirso, aberto há mais de 60 anos, conhecido pela sua comida tradicional, preparada em forno a lenha: vitela, cabrito, coelho à caçador, pernil… Uma casa de decoração rústica e gestão familiar, com Olga Sampaio aos comandos da cozinha. Av. da Boavista, 113, Rebordões, Santo Tirso > T. 252 852 500 > ter-sáb 12h-22h, dom 12h-16h
Copos e Petiscos
Aberta há dois anos, esta casa de petiscos e mercearia tem tido êxito com as suas carnes transmontanas, região de onde provem a maioria dos seus produtos. R. Ferreira de Lemos 165A, Santo Tirso > T. 252 856 121 > ter-sáb 10h-22h
T — Food, Wine and Fun
Restaurante com cozinha de autor. Em abril, o piso superior passou
a acolher o T Gold Floor, com dois menus de degustação, para experiências mais requintadas. R. Dr. Joaquim Augusto Pires de Lima, 44, Santo Tirso > T. 252 891 002 > ter-sáb 12h30-15h, 19h30-23h30
Confeitaria Moura
R. Sousa Trepa, 56, Santo Tirso > T. 252 852 852 > seg-dom 8h-19h30
Confeitaria S. Bento
Lg. Coronel Baptista Coelho, 46, Santo Tirso > T. 252 852 957 > seg-sáb 8h-20h, dom 9h-20h
Café Del Rock
Lg. Coronel Baptista Coelho, 29, Santo Tirso > T. 91 012 6538 > dom-qui 9h-02h, sex-sáb 9h-03h
O Alfaiate
Lg. Coronel Baptista Coelho, 53, Santo Tirso > T. 252 114 588 > ter-qui 18h-02h, sex-sáb 16h-03h, dom 16h-00h
VER
Museu Internacional de Escultura Contemporânea + Museu Municipal Abade Pedrosa
R. Unisco Godiniz, 100, Santo Tirso > T. 252 830 410 > ter-sex 9h-17h30, sáb-dom 14h-19h > grátis
Mosteiro de Singeverga
Roriz, Santo Tirso > T. 252 941 176 > hospedaria entre €20 e €30, licor de Singeverga entre €7 (0,10 l) e €21 (0,70 l), cadernos €40, bíblias €50
Convento de Santa Escolástica
Roriz, Santo Tirso > T. 252 941 232 > seg–sex 9h-13h, 14h-18h, sáb 10h-12h, 14h30-17h > bolachas entre €4,50 e €14
Parque do Ribeiro do Matadouro
R. do Casal Velho, Santo Tirso > seg-dom 8h30-23h
Parque Urbano Sara Moreira
R. Fábrica, 327, Rabada, Santo Tirso > seg-dom 8h30-23h