Aviso: usamos, aqui, inside information. Fotojornalista que sabe encontrar histórias que importam, artista fascinada pelo mito platónico da caverna e com exposições no currículo (nomeadamente dedicadas aos ex-votos), conversadora sem igual, profissional que nunca cede à tentação de trocar a importância do fotografado pela do fotógrafo, Lucília Monteiro, filha de fotógrafo, revela cerca de 80 imagens, entre o preto-e-branco e a cor. Um resumo de três décadas de trabalho em que as suas lentes procuraram habitualmente uma perspetiva humanista e empática, quer se tratasse de tragédias nacionais como a queda da ponte de Entre-os-Rios em 2001 (por ela amparada numa corda de roupa a secar, sinal de esperança patente na capa do livro) e os incêndios que devoraram a zona de Pedrógão em 2017 (em que ela viu três placas a apontarem para um horizonte carregado de fumo com uma das tabuletas anunciando “Poesia”) ou epifanias (um poster com “Porto?” atravessado com uma faixa de agência imobiliária a proclamar “Já era”); ou, ainda, retratos íntimos (como o da pintora Lourdes Castro captada nos bastidores da montagem da exposição em Serralves no dia em que cumpria 80 anos), ou a série que encerra o livro, a de um homem “a construir a sua última cama, o caixão”.
“A sua praia não é a da fotografia espetacular, impactante, bonita, mainstream, nem sequer a do registo fantasmagórico e pornográfico da tragédia, tão em voga. O percurso fotográfico de Lucília Monteiro é feito, isso sim, de significados, das mensagens para ler em diferido, num tempo que vive do erotismo noticioso e da vertigem do instante”, descreve Miguel Carvalho, grande repórter da VISÃO, na introdução a 30 Anos de Fotojornalismo. A própria assume que “ser fotógrafo é um ofício solitário cheio de gente lá dentro” e revê-se na figura da “contadora de histórias”: “Procuro sempre a história, gosto de ouvir; todas as fotografias têm algo que não se transmite na imagem”, lê-se a meio do volume, pensado pela editora e escritora Patrícia Reis. Há Moçambique, Papa e tudo o que ao jornalismo importou – visto à sua maneira. “A menina da infância forrada a fotografias e imaginários cresceu. Já viu muito e sentiu tudo. Não avinagrou, não azedou, nem deixou que o cinismo lhe batesse à porta e se instalasse, para ficar. Numa frase: não perdeu a inocência”, diz Miguel Carvalho. Todos os que conhecem Lucília concordarão.
A totalidade das receitas provenientes da venda de Lucília Monteiro – 30 Anos de Fotojornalismo (004 F*#ing Ideas/Norprint – A Casa do Livro, 124 págs., €20) vai reverter para a ASAS – Associação de Solidariedade e Ação Social de Santo Tirso.