Se há escritores que definem, desde os primeiros romances, um universo que depois escavam com a intensidade de um mineiro, outros há que se armam da ousadia de um navegador. É o caso de Gonçalo M. Tavares, cuja obra assenta, em parte, na ideia de experimentação. Com ele já fomos até à Índia, numa reinvenção da epopeia clássica, viajámos à velocidade do pensamento (em Canções Mexicanas) e investigámos temas de dança, ciência ou música.
Também assim se pode ler Cinco Meninos, Cinco Ratos, segundo volume da série Mitologias (inaugurada, em 2017, com A Mulher-Sem-Cabeça e o Homem-do-Mau-Olhado). É a “extensão do domínio de luta literária” ou, para usar outra expressão do escritor Michel Houellebecq, um novo território de um mapa em constante ampliação. Este continente define-se pela citação de Walter Benjamin que encerra o livro anterior: “Todas as manhãs somos informados sobre o que de novo acontece à superfície da Terra. E, no entanto, somos cada vez mais pobres de histórias de espanto.” Cinco Meninos, Cinco Ratos recusa a torrente de explicações que envolve qualquer acontecimento na sociedade da informação. As personagens conhecem-se pelos seus principais atributos (Nómada, Velocidade, Povo-Já-Amaldiçoado) e nem todas as leis da física e, sobretudo, da moral são respeitadas.
Como os grandes criadores de mitos da Antiguidade, Gonçalo M. Tavares dispõe-se a compreender o mundo como se sobre ele lançasse o primeiríssimo olhar. Embora seja possível fazer ligações com a História do século XX, não há referências externas nem comentários ao destino (tantas vezes cruel) dos protagonistas. É uma alegoria tão forte quanto aquela que Gonçalo M. Tavares apresentava em Breves Notas sobre Literatura-Bloom: um mapa que “não nos faz andar menos até ao destino” mas “andar mais, ou melhor”.