Se os primeiros parágrafos de um romance têm de atrair inexoravelmente os leitores, então podemos assumir que Eva começa com uma armadilha muitíssimo eficaz. Estamos em Lisboa, toda ela sombras e calçadas escorregadias, descrita em ritmo trepidante e cinematográfico. “Não quero que me matem esta noite, pensou Lorenzo Falcó. Desta maneira não. No entanto, estava prestes a acontecer. Os passos atrás dele ecoavam cada vez mais próximos e rápidos. Certamente que tinham pressa de o alcançar. Tinha ouvido o grito do seu contacto ao cair na escuridão, atrás dele, do miradouro de Santa Luzia, e o baque do corpo a estatelar-se no chão quinze ou vinte metros mais abaixo, numa viela escura do bairro de Alfama. E agora iam atrás dele, à procura de acabar o trabalho, de dar a estocada final.” Falcó ainda andará fugido, por exemplo, pelo Martinho da Arcada, pelo teatro Éden, por bares de bas-fond.
O muitíssimo apreciado Pérez-Reverte tem o talento de criar heróis, que apelam ao imaginário popular, e cenas enérgicas para enredos escorreitos. Tudo isso é convocado nesta segunda aventura de Lorenzo Falcó, ex-traficante de armas, agente secreto ao serviço do franquismo, dotado dos tiques arquetípicos do género: amoral, sedutor, cínico, com autodomínio e sentido de humor disparado à mesma velocidade da sua arma. Aqui, o vilão foi igualmente esculpido no género noir: encontramos Eva Neretva, mulher fatal, espia soviética, comunista obediente a Estaline, com quem Falcó se envolvera quando ela se identificava como Rengel. A este anzol à la Casablanca, o escriba junta secundários inesquecíveis, gente e histórias verdadeiras: estamos em 1937, e Falcó tem de se apoderar de 30 toneladas de ouro, guardadas num navio republicano com destino à Rússia, perseguido por uma armada nacionalista. O desfecho jogar-se-á numa Tânger cosmopolita.