O cérebro é um órgão fascinante e que ainda guarda muitos mistérios por resolver. É difícil não abrir a boca de espanto perante os resultados de um estudo realizado no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e publicado esta semana na revista Cell Reports, que vem contrariar muita da teoria publicada sobre o funcionamento de determinadas áreas do hemisfério esquerdo ou direito para funções específicas, como a linguagem ou a memória.
A equipa de cientistas da Caltech propôs-se analisar a capacidade de adaptação do cérebro em crianças com casos muito graves de epilepsia que, tendo vários ataques por dia, são sujeitas a uma cirurgia radical que remove todo um hemisfério do cérebro. Após a operação, os pacientes perdem a mobilidade da mão oposta ao hemisfério extraído e a mesma metade do campo visual. No entanto, mantêm a capacidade de andar, raciocinar ou memorizar, e embora às vezes possam ter problemas com a fala, conseguem geralmente recuperá-la.
Foram estudados seis pacientes com idades entre os 20 e os 30 anos, a quem tinham sido removidos um dos seus hemisférios cerebrais durante a infância, quando tinham idades compreendidas entre os 3 meses e os onze anos de idade. Os seus cérebros foram comparados com os de seis voluntários com ambos os hemisférios intactos.
Através de ressonâncias magnéticas, foram observadas as redes cerebrais relacionadas com o controlo da visão, movimento, raciocínio ou emoções. Antes de verem os resultados, os investigadores pensavam que as pessoas com um único hemisfério teriam conexões mais fracas entre essas áreas porque, em condições normais, muitas dessas redes exigem conexões entre as duas metades do cérebro. No entanto, a conectividade global parecia normal, e até viram conexões entre as diferentes redes mais fortes do que nos sujeitos com os dois hemisférios intactos, o que poderá significar que estes indivíduos que perderam metade do cérebro podem ter desenvolvido uma maior capacidade cognitiva e uma maior capacidade de interação social.
Este estudo vem romper com a ideia clássica de que diferentes regiões do cérebro têm funções específicas (e que perdendo essa região se perderiam as capacidades associadas) defendendo que não faz sentido procurar de forma estanque a zona da linguagem, raiva ou inteligência, pois o cérebro é um conjunto que pode adaptar-se e funcionar de muitas maneiras.
Os autores do artigo afirmam que este avanço na compreensão de como o cérebro se reorganiza para compensar lesões, mesmo tão graves como as destas crianças epiléticas, pode ajudar a descobrir melhores estratégias e novos tratamentos para pessoas com danos neurológicos graves.