Entrar numa agência de publicidade e encontrar um diretor criativo de fato e gravata parece tão exótico como chegar a uma sociedade de advogados e encontrar um jurista de calções e t-shirt. Embora faltem evidências científicas que relacionem a forma como nos vestimos com o nosso grau de profissionalismo, a norma é confortável. A utilização de um dress code – que geralmente define um nível de formalidade mais elevado do vestuário – criou durante décadas um exército de trabalhadores de fato e gravata (caso dos homens) e de blazers e saias travadas ou calças formais, no caso das mulheres.
A norma tem funcionado como uma espécie de selo de garantia de seriedade e confiança, e há áreas em que é particularmente notória, como o Direito, a política ou o setor financeiro. Mas a multiplicação recente de startups e tecnológicas fundadas por profissionais de gerações mais jovens alterou profundamente a forma como organizações e talentos se olham mutuamente.
“Estão a acontecer coisas muito interessantes que configuram cenários novos e diferentes. Tem que ver com a alteração dos paradigmas: estamos a mudar da gestão dos recursos humanos para a gestão das pessoas”, justifica Mário Ceitil, presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG). O responsável falou à VISÃO sobre o facto de instituições financeiras como a JP Morgan e a Goldman Sachs, dois gigantes mundiais da banca – e, mais recentemente em Portugal, o Millennium BCP – estarem a deixar cair a obrigatoriedade do uso do fato e gravata por parte dos seus colaboradores.
Entre as empresas com perfil tecnológico, a OutSystems, fundada em 2001 por Paulo Rosado, foi relativamente célere a fazer a mudança entre a obrigatoriedade e a flexibilização de vestuário. No seu pequeno livro de cultura empresarial, entregue a cada colaborador quando é contratado, a organização explica: “No início tínhamos um dress code bastante restritivo (fato e gravata) porque estávamos a lidar com clientes empresariais. Mas depois de, um dia, um dos nossos engenheiros ter aparecido para trabalhar de calções cor de laranja e sandálias com meias, e continuar a ser respeitado pela sua equipa, decidimos apenas pedir às pessoas que tivessem bom senso na roupa que usam. Especialmente quando vão ter reuniões com clientes.” A empresa acrescenta que, desde essa altura, tentou reduzir consideravelmente o número de regras a seguir, notando que a liberdade aumenta a criatividade e permite que cada colaborador se destaque pelas suas características únicas.
Já Inês de Mendonça Casaca, associate director – RPO, Outplacement, Assessment & Development and Human Consulting da Randstad, defende que “apesar das tendências mais marcantes, o dress code é fundamental para reforçar o posicionamento e a cultura de uma empresa ou o serviço e o seu impacto nos clientes, parceiros, equipa e sociedade em geral”. De qualquer forma, acredita, “a constante transformação a acontecer no mundo do trabalho passa também por uma maior abertura à diversidade e à individualidade de cada um, de acordo com o contexto e a cultura de cada organização. O setor da banca é um bom exemplo de esforço de aproximação do público em geral e da promoção da informalidade e da proximidade entre interlocutores. Sendo esta uma tendência alargada a vários setores, poderá influenciar outras áreas, tipicamente formais, como a consultoria ou o Direito”, nota.
O bastião da formalidade
“Vínhamos daquela época de nacionalizações e de bancários com cabelos compridos, que tinham tirado as gravatas. No BCP toda a gente era aprumada, tinha gravata e havia a preocupação da cerimónia e da deferência para com os clientes.” A recordação é de Maria Cândida Rocha e Silva, presidente do Banco Carregosa, numa entrevista ao Jornal de Negócios em 2016. Mais de 30 anos depois da criação do primeiro banco privado da era democrática, não deixa de ser curioso que a instituição, marcada pelo estilo formal do fundador Jardim Gonçalves, apareça agora como sendo a primeira a deixar de exigir o uso da gravata.
A mudança não foi imediata. Quando, em 2015, a exigência começou a cair nos serviços centrais (onde, ainda assim, os funcionários eram “obrigados a vestir-se de forma profissional”), quem contactava com o público ainda era obrigado a usar fato e gravata e, no caso das mulheres, a vestir-se de maneira mais formal. E aqui nem se pensava em exceções, como as casual fridays. “Ir de calças de ganga e sem gravata para o trabalho por ser sexta-feira? No BCP, isso não existe…”, dizia então fonte do banco ao Diário de Notícias.
No último verão, porém, tudo mudou. O uso do acessório foi dispensado, pela primeira vez, no contacto com o público. A medida devia ter durado apenas nos meses de maior calor, mas depois de chegar às agências os colaboradores já não quiseram outra coisa: a esmagadora maioria votou em adotar dali em diante o novo dress code desengravatado. Para sustentar o alargamento a todo o ano, o banco argumenta não só com a questão do conforto mas também com a imagem de maior modernidade que quer passar ao mercado. “São pequenos gestos simbólicos, mas que mostram a mudança que queremos fazer dentro da instituição”, disse à VISÃO o CEO do banco, Miguel Maya.
O argumento da revolução cultural e de uma imagem mais atualizada é comum a outras empresas e instituições, a par com o de maior conforto dos colaboradores e o das poupanças – o uso de roupa menos formal permite reduzir o esforço de climatização, com benefícios não só para a carteira como para o ambiente, nesta era das alterações climáticas. Pelo caminho, as organizações adaptam-se às exigências dos talentos mais jovens e avessos à formalidade.
O BCP não esteve, contudo, sozinho nesta adaptação. Outro banco que embarcou na experiência desde o verão passado foi o Montepio. A obrigatoriedade do uso de gravata acabou para os funcionários, embora apenas às sextas-feiras. “São pequenos sinais reveladores de uma cultura mais moderna e integradora e que contribuem para uma transformação cultural que nos parece muito benéfica para o banco”, sustenta Sandra Brito Pereira, diretora de Gestão de Pessoas do Montepio, numa resposta por email. Apesar de reconhecer que foi uma “boa decisão”, não confirma, no entanto, se o objetivo é estender o fim da obrigatoriedade a todos os dias do ano.
Também o EuroBic tomou uma medida semelhante nos meses de calor, no âmbito do reposicionamento da marca e da cultura interna de maior modernidade e proximidade. O uso de gravata tornou-se optativo na época estival, nos edifícios e nas agências da instituição, mas obrigatório na visita aos clientes. “A experiência inicial correu muito bem, os profissionais masculinos do EuroBic adaptaram-se de forma notável à ausência de gravata, e os clientes também interpretaram de forma muito simpática a alteração”, refere fonte do banco, que assegura que a mudança não compromete o “rigor” nem o “compromisso com a qualidade de serviço”. Já a Caixa Geral de Depósitos nunca obrigou ao uso de gravatas – há recomendações sobre o aprumo no vestuário, mas é tudo. Ceitil acredita que é um bom sinal o facto de esta tendência ter chegado “ao bastião da formalidade, que é a banca. Os ícones de uma sociedade mais tradicional estão a ser substituídos. Provavelmente, vamos assistir ainda a um exagero para o outro lado, para depois chegarmos a um equilíbrio”, defende o presidente da APG.
Adaptar e evoluir… com tempo
Outros setores associados a uma maior formalidade, como a advocacia ou a consultoria, também têm feito caminho. Há, pelo menos, uma década que a Sérvulo prevê no seu regulamento interno a dispensa do uso de roupa formal às sextas-feiras, em vésperas de feriado e durante as férias judiciais. “Acredito que, assim como a banca, também as sociedades de advogados farão, a seu tempo, o caminho de adaptação a um código de vestuário mais informal”, justifica Paulo Câmara, managing partner desta sociedade de advogados. Na consultora imobiliária JLL, a regra é a da flexibilidade. E não é de agora. “O espírito é criar empatia com o cliente e, para isso, não há necessidade de estarmos com fato e gravata. Mas, obviamente, as pessoas vêm bem vestidas”, explica Sofia Vinagre, diretora de marketing daquela consultora imobiliária em Portugal. Mesmo essa adaptação é vista como uma exceção. “Se o cliente for formal, como uma administração ou um responsável mais sénior, claro que vai sentir-se melhor se também nós estivermos formais. Mas, muitas vezes, temos clientes que vêm de ténis e calças de ganga e temos de estar de acordo, procurar um meio-termo”, acrescenta a responsável.
E quando se compara negócios com política, esta já leva a dianteira, com vários exemplos de personalidades que foram trocando as gravatas pelas camisas brancas de botão aberto, deixando cair os casacos ou optando por blusões mais informais, provando, de alguma forma, que “o hábito não faz o monge”. Sinal de que nenhuma área fica imune a estas transformações, que estimulam a diferenciação e a identidade, ao invés de tentarem que todos se rejam pelo mesmo molde. “Permitir que os colaboradores possam escolher o formato com que se sentem mais confortáveis revela acima de tudo uma cultura flexível e assente na individualidade de cada um”, aponta Inês de Mendonça Casaca.