É um medicamento de tal forma feito à medida que foi até chamado Milasen, em homenagem ao único paciente, ou melhor, a única paciente, que o tomou: Mila Makovec, uma menina de 8 anos, que vive com a mãe, Julia Vitarello em Longmont, no estado americano do Colorado.
O caso é relativamente simples de explicar. Mila tem um distúrbio neurológico que progride rapidamente e é fatal. Os sintomas começaram aos 3 anos. Em pouco tempo, deixou de ser a criança ágil e faladora para se tornar uma garota cega e incapaz de levantar a cabeça. Passou a precisar de um tubo para se alimentar e sofria cerca de 30 convulsões por dia, cada uma com uma duração de um ou dois minutos.
Há quase três anos, a mãe recebeu o diagnóstico. Mila tinha a doença de Batten. Mas o caso deixou os médicos intrigados. Trata-se de uma patologia recessiva. Ou seja, para desenvolver a doença, era preciso ter herdado uma cópia do gene defeituoso de cada um dos pais.
Mas Mila tinha apenas um gene mutado. A outra cópia parecia normal – e isso, no entender dos médicos, deveria ter sido suficiente para prevenir a doença.
Até que três meses depois, em março de 2017, Timothy Yu e os seus colegas do Hospital Infantil de Boston descobriram que o problema com o gene intacto estava num pedaço estranho de ADN, que tinha baralhado o fabrico de uma proteína importante. Isso deu a Yu uma ideia: porque não fazer um pedaço personalizado de ARN (sigla de ácido ribonucleico, molécula que intervém em várias funções biológicas importantes como a codificação genética) e usá-lo para bloquear os efeitos do ADN estranho?
Por essa altura, a mãe da menina já tinha criado a Fundação Milagre de Mila e estava a pedir doações no GoFundMe. Até que começou a arrecadar fundos a sério, algo como €2,7 milhões, o suficiente para arrancar com uma série de pesquisas.
Ao mesmo tempo, a equipa de Yu supervisionou o desenvolvimento do medicamento, testou-o em roedores e apresentou os resultados à Food and Drug Administration (FDA), a agência americana responsável pela regulação dos medicamentos e da alimentação. Em janeiro de 2018, a agência permitiu que o medicamento fosse usado em Mila, que recebeu a sua primeira dose no fim desse mês.
A medicação foi-lhe administrada através da espinal medula, de forma a atingir o cérebro mais rapidamente. Num mês, a mãe garante que já se notava a diferença: Mila já tinha menos convulsões e duravam menos tempo.
Em tratamento continuado, o número de convulsões diminuiu tanto que a variação é entre nenhum e um máximo de seis por dia – e duram sempre menos de um minuto.
Agora, Mila já raramente precisa do tubo de alimentação e voltou a comer alimentos em puré. Ainda não consegue manter-se de pé sem ajuda, mas o pescoço e as costas já ficam direitos. Só não consegue proferir uma palavrinha que seja. “Noto que passou a não responder a coisas que a faziam rir ou sorrir”, conta a mãe, Julia Vitarello ao The New York Times.
O caso não é de todo único, e o caminho a seguir também não está assim claro. Ou seja, existem mais de 7 mil doenças raras e mais de 90% não têm tratamento aprovado pela FDA. Qualquer coisa como milhares de pessoas na situação da menina Mila e só nos EUA. Mas também não há cientistas suficientes para desenvolver medicamentos personalizados para todos os que os desejam.
E mesmo que houvesse, quem pagaria? Nem o governo federal, nem as empresas farmacêuticas e nem as seguradoras, notou Steven Joffe, professor de ética médica e política de saúde da Universidade da Pensilvânia. “Infelizmente, isso ficará a cargo das famílias”, acrescentou. “Parece muito desconfortável, mas essa é a realidade.”
Isto tudo para dizer que drogas à medida permanecem uma opção apenas para aqueles com grandes quantidades de dinheiro no banco ou os que conseguem apoio de fundações e assim. Recorde-se que o desenvolvimento do Milasen, o medicamento específico para ajudar Mila foi pago principalmente pela fundação criada pela mãe, mas tanto Vitarello como o médico, Timothy Yu, se recusaram a dizer quanto é que foi gasto.
Mas se é algo perturbador saber que o Milasen não vai curar Mila, como já reconheceu a mãe da menina – a recordar que a filha já tinha 7 anos quando recebeu a sua primeira dose – o futuro, esse, pode ser bem diferente. “E se a próxima Mila for tratada quando tiver 4 ou 5 anos? Temos de acreditar que o desenvolvimento de um medicamento à medida das necessidades do seu paciente pode abrir um caminho de tratamento completamente novo.”