Deixou de ser o presidente da Free Software Foundation (FSF), organização criada pelo próprio em 1985, e também já não ocupa o cargo de investigador convidado que tinha no MIT, o prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA. Mas não, Richard Stallman, 66 anos, não se reformou nem tirou um ano sabático. Foi uma série de declarações polémicas que o afastaram dessa atividade.
É verdade que Stallman sempre foi uma figura controversa. O seu percurso foi muitas vezes marcado por debates acesos tanto sobre política como religião ou privacidade e, claro, software. Nada com consequências tão drásticas. Só que agora o assunto envolve uma investigação de abuso sexual. Não que Stallman estivesse a ser acusado, mas uma pessoa que ele conhecia, sim.
Foi no final da semana passada que uma estudante do MIT chamada Selam Gano publicou um texto na platforma Medium com o título “Remove Richard Stallman”, a pedir o seu afastamento, e justificando a sua indignação por causa de uma série de emails que o ativista enviara ao Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial do MIT, conhecido pela sigla MIT CSAIL.
Eram cartas a defender Jeffrey Epstein, esse mesmo, o milionário americano que foi encontrado morto na prisão enquanto aguardava julgamento por acusações de abuso e tráfico sexual – e que as autoridades americanas acreditam controlava uma extensa rede de tráfico sexual envolvendo menores de idade. Entre os seus clientes estaria Marvin Minsky, um dos pioneiros da inteligência artificial que, não por acaso, ajudou a criar o MIT CSAIL, e que morreu no início de 2016, aos 88 anos.
No tal texto da Medium, Selam Gano menciona ainda um evento agendado no Facebook a protestar contra o facto de o MIT receber dinheiro de Epstein. De facto, o milionário fizera doações gigantes ao instituto ao longo de vários anos. Há pouco tempo, outro responsável da instituição, Joichi Ito também pediu demissão do cargo de diretor do MIT Media Lab por ter pedido (e recebido) contribuições generosas a Epstein, mesmo depois de as denúncias contra o milionário se terem tornado públicas.
Ao que se sabe, as doações de Epstein alcançaram valores da ordem dos 7,5 milhões de dólares, qualquer coisa como 6,8 milhões de euros. É ainda público que Epstein mantinha contacto com numerosos membros MIT – por isso é que, na descrição do tal protesto no Facebook, se citava o seu envolvimento com personalidades como Nicholas Negroponte, Joichi Ito e ainda Marvin Minsky, destacando que o falecido professor fora acusado de abusar sexualmente a então menor de idade Virginia Giuffre.
Stallman não constava da lista, mas ao saber do protesto tratou de defender Minsky. “Podemos imaginar vários cenários, mas o mais plausível é de que ela tenha se apresentado a ele de livre vontade”, afirmou. Numa outra mensagem, questionou que se possa falar de abuso quando “a alegada vítima tem 17 ou 18 anos…”.
Assim, se o MIT já estava sob grande pressão por causa das doações de Jeffrey Epstein, com estas revelações, a situação de Stallman ficou insustentável. E foi o próprio a comunicar a sua saída: “Demito-me da minha função no CSAIL do MIT.”. Pouco depois, a FSF também confirmou que Stallman já não a dirigia: “A 16 de setembro de 2019, Richard M. Stallman, fundador e presidente da Free Software Foundation, renunciou ao cargo e lugar no conselho de administração”.
Excêntrico de serviço
Foi nos anos 1980 que Stallman, então um jovem investigador do MIT, irritado por estar à mercê de grandes empresas, propôs liderar uma equipa que codificasse um sistema para ser partilhado e modificado de forma livre. Apoiado por uma bolsa, em 1990, Stallman viajou por todo o mundo a falar desse sonho até que, a meio do caminho, conheceu um jovem estudante na Finlândia – Linus Torvalds – que assumiu a causa e criou o Linux, um sistema operativo que opera sem taxas de licenciamento. Desde então que Stallman se tornou uma figura singular na cultura geek, tendo sido mesmo apelidado de “o último dos verdadeiros hackers”. Para as mentes brilhantes de Silicon Valley, ele era um programador genial que codificava para mudar o mundo. Um pouco por tudo isso, foi sempre desculpado por aqueles em seu redor.
Mas se sempre houve quem dissesse que era um génio, também muitos o consideravam no mínimo estranho. Por exemplo, por várias vezes aquele que é, ainda, um colaborador da Wired, foi acusado de ser um obstáculo para a carreira de mulheres interessadas no movimento do software livre e na ciência da computação em geral – ou foi basicamente isso que Christine Corbett Moran, supervisora de grupo técnico do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, descreveu, no Twitter, sobre o seu encontro com Stallman no seu primeiro ano no MIT. “Era uma conferência de hackers, ele é uma lenda, um herói. Eu tinha apenas 19 anos, vestia uma t-shirt do MIT e fui apresentada como estudante.” Ele convidou-a para sair, ela disse que não. Rapidamente acabou por ter de seguir outro rumo.
Também no Twitter, outra empreendedora, Star Simpson de seu nome, lembra-se bem de passear no campus do MIT com um veterano que lhe confidenciou que as mulheres a estudar computação mantinham muitas plantas nos seus escritórios porque sabiam que Stallman as detestava. “Ainda hoje me impressiona a ideia de alguém manter este tipo de amuletos para afastar uma pessoa específica.”
Ou seja, a maior parte dos testemunhos contra Stallman é de mulheres que optaram por sair do movimento do software livre, mas permaneceram a trabalhar em tecnologia – daí que agora muita gente defenda que este é o momento por que tantos/as ansiavam, a hora de tornar o movimento do software livre mais inclusivo.