Tal como os chefes de cozinha de carne e osso, o Flippy não tem medo do trabalho árduo. Desde o último verão, é um dos funcionários do Caliburger, em Pasadena, na Califórnia, e também do Chick’N Tots, no Dodger Stadium, em Los Angeles. São longas horas de trabalho repetitivo, em que lhe é exigida uma consistência absoluta. Mas os clientes nunca o ouvirão reclamar. Este robô, um braço mecânico ligado à nuvem com scanners térmicos tridimensionais para os olhos, consegue virar hambúrgueres ou fritar 80 cestas de batatas por hora, monitorizar esses alimentos e, no fim, limpar tudo.
Dependendo da complexidade do trabalho que será feito, os restaurantes que contratarem o Flippy, uma criação da Miso Robotics, terão um custo entre 13 mil e 44 mil euros por ano. Mas o Flippy não está sozinho. Também na Califórnia, a Bear Robotics desenvolveu um robô autónomo, o Penny, que até agora atendeu 40 mil clientes. Após oito meses de teste na Kang Nam Tofu House, a Bear Robotics creditou ao Penny um aumento de 28% nas vendas.
Mas não é só nas cozinhas que os robôs ganham destaque. Nascido em 2015, o Bionic Bar foi o primeiro bar robótico do mundo com capacidade para servir 120 bebidas por hora. Num dos maiores navios do mundo, o Symphony of the Seas, há dezenas de garrafas penduradas no teto, de pernas para o ar, à espera de ação. Os passageiros escolhem os cocktails num tablet e acompanham a preparação da sua bebida, assistindo a uma verdadeira coreografia – esta invenção de Makr Shakr foi modelada a partir de gestos e movimentos do bailarino e coreógrafo italiano Marco Pelle, do New York Theatre Ballet.
Por cá, a moda de apresentar as ementas e as listas de vinhos em tablets não pegou, mas são já várias as cadeias de restauração, gigantes internacionais e outras bem portuguesas, a apostarem nos sistemas automatizados que nos deixam fora das filas nos centros comerciais. Basta clicar nas escolhas, pagar eletronicamente com cartão e esperar pela comida. É mais rápido, custa o mesmo ao cliente, requer menos supervisão humana e, não existindo contacto entre funcionário e consumidor, nem dá direito a reclamações. Só falta um androide empregado de mesa na hora da entrega. Com a indústria interessada em reduzir custos de mão de obra e aumentar os lucros, o caminho da automatização parece inevitável e está cada vez mais perto. Mas será isto possível nos restaurantes de alta cozinha?
A cozinha é emoção
“Nunca iria contratar um robô como braço-direito, porque a cozinha é emoção”, afirma, perentório, Alexandre Silva, do restaurante Loco. Para o chefe galardoado com uma Estrela Michelin, um robô serviria apenas para “fazer horários, fichas técnicas ou inserir faturas no sistema, mas cozinhar nunca na vida, nem cortar uma batata”. E mais-valias da robótica na restauração, poucas ou nenhumas existem, na opinião de Alexandre Silva. “Só ajuda a aumentar a taxa de desemprego no setor. Nós ensinamos as pessoas a perderem os seus próprios empregos.”
Já para Henrique Sá Pessoa, do Alma, com duas Estrelas Michelin, em certas tarefas a presença de um robô poderá ser viável, como cortar batatas e cebolas ou descascar alhos e cenouras. “Na ótica de uma linha de montagem de uma cozinha industrial, sim, mas numa cozinha que trabalha à la carte, em que temos de coordenar cinco ou seis cozinheiros, ter um robô a receber ordens ao segundo parece-me de uma tal complexidade em termos informáticos que até lá chegarmos já estamos no ano 2200.”
“Provavelmente, demorará muito tempo para vermos um chefe-robô com uma Estrela Michelin”, diz Noel Sharkey, professor de Inteligência Artificial e Robótica na Universidade de Sheffield, citado pelo The Guardian. “Além da lacuna de criatividade da Inteligência Artificial, a boa culinária envolve uma compreensão subtil dos ingredientes, o que seria um enorme desafio para os robôs. Colocar alimentos frágeis em pratos seria incrivelmente lento.”
A tecnologia vai continuar a entrar nas cozinhas, mas só para apoiar os criativos. “Posso ter três máquinas, mas não substituem os humanos, só aceleram os processos. No limite, em vez de precisar de dez pessoas, fico com sete”, nota Henrique Sá Pessoa, para quem uma equipa de cozinha é como uma equipa de futebol. “São as diferenças de cada um que fazem a diferença no conjunto. A emoção e a motivação são fundamentais.”
Mesmo para um restaurante especializado num único prato, como o Ajitama Ramen Bistro, seria difícil integrar um robô no processo de confeção da receita asiática. Desde que António Carvalhão e João Ferreira iniciaram o supper club, cozinhando em casa para grupos de 12 pessoas, que usam técnicas artesanais japonesas. E, ao passarem para um restaurante de rua, mantiveram a essência. “Não faria sentido para nós substituir o toque humano de um conjunto alargado de processos artesanais, que no nosso entender comportam alguma arte, por um robô sem alma nem paixão por um tipo de comida que é tão exigente de confecionar”, explica António. “Não podemos negar que, no ramen, a ‘arte’ vai de mãos dadas com a precisão e o rigor e, talvez nesse sentido, a robótica venha a complementar, mas não a substituir, o papel do chefe”, acrescenta. Eventualmente, não descartam a ideia de, no futuro, usarem máquinas de produção de noodles de massa fresca, “não apenas por uma ótica de velocidade e eficiência, mas também de consistência”.
Revolução ao domicílio
Por agora, os humanos continuam a ser necessários, quando mais não seja para permitir que os robôs cumpram as suas funcionalidades limitadas. Na norte-americana Zume, empresa de entrega de pizzas movida a robôs, os trabalhos mais complicados, como colocar os toppings, ainda são feitos pelos empregados, uma tarefa difícil de automatizar devido aos diferentes tamanhos e texturas das coberturas. Já no que diz respeito às entregas ao domicílio, o trabalho de tantos motociclistas parece condenado. A cadeia Domino’s já experimentou entregar pizzas em drones, mas concluiu que a entrega pelo DRU tem menos obstáculos, como o facto de não lidar com a legislação da Administração Federal de Aviação. Nesse robô militar transformado em entregador de pizzas, o seguimento é feito por GPS e há um sensor que deteta obstáculos, viajando de forma não assistida até à casa dos clientes. Só não consegue entrar em prédios e subir escadas. A máquina autómata de quatro rodas, com 20 km de autonomia, desenvolvida pela Starship Technologies, desce pela calçada a cerca de 6 km/h transportando cinco pizzas médias em compartimentos fechados e independentes para cada encomenda, sendo que só os clientes os conseguem abrir com um código. “A automação existe para melhorar a qualidade das vidas humanas”, diz Alex Garden, CEO da Zume. “Devemos aproveitar a automação para o trabalho chato, perigoso e repetitivo.” Mas, por enquanto, ainda não há nenhum robô que crie empatia e que substitua a interação humana.