Nos bastidores socialistas, a piada está a fazer o seu caminho. Ancorados no assumido benfiquismo do primeiro-ministro, os indefetíveis de António Costa têm-no equiparado a Bruno Lage. A escolha de Pedro Marques (42 anos) para cabeça de lista do partido às eleições europeias e a quarta remodelação governamental, em que Mariana Vieira da Silva (40) e Pedro Nuno Santos (41) foram promovidos, foi encarada como uma nova vaga de afirmação de jovens quadros do PS, à semelhança do que tem vindo a ser feito pelo treinador do Benfica com o lançamento de algumas promessas na equipa principal do clube da Luz.
“É tudo prata da casa”, diz um dirigente socialista, para quem o chefe do Executivo “é um equilibrista” na hora de dispor as peças no tabuleiro. “Ele lança as novas figuras do partido, permite que se posicionem para o futuro, mas deixa-as em pé de igualdade”, acrescenta.
Outro dirigente do PS considera que as mexidas no Governo não significaram mais do que o “fim de um ciclo”, já que, desde a aprovação do Orçamento do Estado para 2019, o País entrou em gestão corrente e que, por isso, não haverá nenhuma figura grada do PS “entusiasmada com o que se vai passar” até às legislativas de 6 de outubro.
Mais contido, um membro do Executivo não vislumbra motivos para segundas leituras das mudanças que foram operadas nesta semana. “A única preocupação do primeiro-ministro é, gradualmente, ir renovando o Governo e o partido. Ele sabe que, para sobreviverem, os partidos precisam de se renovar. E é essa mensagem que está a passar para dentro e para fora”, aponta.
Certo é que a saída de Pedro Marques do elenco governamental, para encabeçar o conjunto de candidatos do PS ao Parlamento Europeu, reabriu a discussão acerca do pós-Costa. A geração de 70 está a postos. Embora tenha alertado os pretendentes ao trono, no último Congresso, de que está longe de meter os papéis para a reforma, a verdade é que tem sido o próprio secretário-geral a entregar-lhes as chaves do Largo do Rato.
A esperada promoção
O favorito do aparelho, Pedro Nuno Santos, adquiriu agora no papel o estatuto que lhe reconheciam na prática. Desde 2015, era o pivô das negociações com BE, PCP e PEV, na qualidade de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, funções que lhe davam assento no Conselho de Ministros e que lhe conferiam mais peso do que o da maior parte da equipa montada por Costa. A promoção foi tão natural quanto expectável.
O economista foi secretário-geral da JS entre 2004 e 2008, presidiu à Federação Distrital de Aveiro, ocupou o lugar de vice-presidente da bancada socialista na Assembleia da República e destacou-se como coordenador do PS na comissão de inquérito ao colapso do BES (a única, nos tempos recentes, em que a guerrilha partidária não contaminou por completo os resultados da investigação).
Ideologicamente, será até o menos alinhado com o costismo – alguns setores socialistas acusam-no mesmo de estar a fazer o partido guinar à esquerda e de o tornar indistinto do BE. Durante o período da Troika, ficou célebre a sugestão de não pagamento da dívida pública, que até poria as pernas dos banqueiros alemães a tremer, e no último conclave do PS não se coibiu de citar Karl Marx.
Numa entrevista concedida ao Observador em outubro, Pedro Nuno Santos assumia que quatro anos nos Assuntos Parlamentares seriam suficientes. A missão, confessava, era “desgastante física e emocionalmente”. Agora, acumula a tutela das Infraestruturas com a da Habitação (até aqui sob alçada de João Pedro Matos Fernandes, no Ambiente). e junta a experiência como ministro ao curriculum vitae. O território do “pedronunismo” está marcado. “No dia em que disser que avança, vai ter quase todo o partido aos pés”, antecipa um deputado.
Depois da sombra, a luz
Mais discreta e com um percurso político-partidário menos saliente, Mariana Vieira da Silva tem sido a “formiguinha” de Costa nesta legislatura. A filha de José Vieira da Silva, socióloga de formação (prestes a concluir o doutoramento em Políticas Públicas, com dissertação sobre políticas de Saúde e Educação), sobe de secretária de Estado-adjunta do primeiro-ministro a ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, substituindo Maria Manuel Leitão Marques, que acompanhará Pedro Marques em direção a Bruxelas.
Nas hostes socialistas, é tida como uma das principais conselheiras do líder do Executivo. É presença assídua nas reuniões de coordenação política do Governo, a que só um núcleo mais restrito tem acesso. Merece a inteira confiança de Costa e raramente entra em modo off. Há dois anos, comprou um smartwatch para estar contactável até durante os 45 minutos de natação que realiza duas ou três vezes por semana.
Em 2015, integrou a equipa que elaborou o programa eleitoral do PS e também o programa de Governo, que teve de ser calibrado por força das exigências dos parceiros. Contudo, foi no Congresso da Batalha, em maio último, que se tornou mais conhecida dos portugueses – Costa indicou-a como coordenadora da moção de estratégia com que se apresentou aos camaradas e fê-la subir ao púlpito para enunciar as traves-mestras do documento.
Entre 2009 e 2011, Mariana Vieira da Silva foi adjunta no gabinete de José Sócrates e, antes, entre 2005 e 2009, trabalhara como assessora de Maria de Lurdes Rodrigues. Em 2013, quando Costa antecipava deixar a Câmara de Lisboa para avançar contra António José Seguro, Fernando Medina (45 anos) chamou-a para o 15º lugar na lista socialista para a capital.
O pequeno aquário
Do grupo dos “jovens turcos” chega também ao Governo Duarte Cordeiro (40 anos). O secretário-geral da JS de 2008 a 2010 é fiel a Costa desde o duelo fratricida com Seguro – nas legislativas, por exemplo, foi diretor de campanha do PS, após a polémica com os cartazes forjados, que conduziu à demissão de Ascenso Simões –, mas é tido como um crente no “pedronunismo”, ao qual sucedeu na “jota” socialista.
O economista tem já um longo percurso pelo aparelho. Foi deputado, liderou a concelhia de Lisboa e chefia a poderosa Federação da Área Urbana de Lisboa, funções a que somava a vice-presidência da Câmara Municipal de Lisboa. A saída da autarquia terá sido precipitada também pela distância que existe entre Cordeiro e Medina. De acordo com fontes partidárias, Cordeiro via-se “limitado” e “esgotado” na capital.
Cordeiro vai ser uma espécie de “supersecretário de Estado”, como nota uma fonte do PS, uma vez que acumulará as funções de Mariana Vieira da Silva e de Pedro Nuno Santos – sob a dependência de Costa passará a estar apenas o secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro e dos Assuntos Parlamentares.
E mais: se a articulação com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, até agora, não falhou, Costa quis assegurar-se de que não seria o perfil do novo secretário de Estado a criar engulhos. É certo que os Orçamentos já lá vão, mas até às eleições há batalhas duras para travar. E Cordeiro já provou saber fazer pontes à esquerda: em 2011, foi diretor da campanha presidencial de Manuel Alegre, que contou com o apoio do BE, e na Câmara Municipal de Lisboa, desde 2017, a maioria depende do acordo de coligação com os bloquistas.
Nelson de Souza
O gestor de fortunas
O até aqui secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, nascido em Goa há 64 anos e licenciado em Finanças, tinha sido chefe de gabinete de Daniel Bessa e secretário de Estado das Pequenas e Médias Empresas, do Comércio e dos Serviços no segundo Executivo de António Guterres. Lidou com as contas da Câmara Municipal de Lisboa, foi diretor-geral da Associação Industrial Portuguesa, além de gestor do programa Compete/QREN e do Prime, administrador do IAPMEI e gestor de programas no PEDIP. Sobe a ministro do Planeamento, perdendo as Infraestruturas para Pedro Nuno Santos. Se por Nelson de Souza já passavam as negociações para o próximo Quadro Comunitário de Apoio, agora será protagonista na gestão dos muitos milhões que chegam de Bruxelas.