Nós humanos, urbanos, frequentadores de redes sociais, com agendas telefónicas carregadas de contactos, não fomos feitos para esta vida. Os nossos genes e o nosso cérebro ainda são os dos homens da savana, que usavam os sentidos, sobretudo a visão, para se orientarem entre as árvores, colherem os frutos maduros e detetarem a alternância das estações do ano. Portanto, isto de fixar nomes e decorar números de telefone implica um esforço extra. Digamos que não nos sai naturalmente, o que nos cria uma certa angústia. Porém, há formas de combater estes pequenos episódios de “amnésia.”
“Quando juntamos informação sensorial a um conceito abstrato conseguimos reforçar a memória”, nota Luísa Vaqueiro Lopes, investigadora do Instituto de Medicina Molecular. “Recordamos melhor um filme se o tivermos visto com uma companhia especial ou se houver um cheiro associado à experiência, como acontece, por vezes, com as memórias de infância”, exemplifica.
Quando esta associação não acontece naturalmente, o que há a fazer é fabricá-la. Funcionam assim as melhores mnemónicas – ajudas à memória que se baseiam em técnicas verbais ou visuais. Quem não tem na cabeça a lengalenga “trinta dias tem novembro, abril, junho e setembro, de vinte e oito só há um, e os mais têm trinta e um”? O facto de se associar uma espécie de melodia à informação que é preciso fixar simplifica-nos o trabalho.
E se precisar de decorar um discurso ou o nome de um novo colega de trabalho? Para estas situações também há bons truques, muito conhecidos entre campeões de concursos de memória (sim, eles existem!) ou políticos, particularmente, bons a falar sem teleponto. A estratégia mais famosa já vem do tempo da Grécia Antiga e é conhecida como o Método de Loci ou Palácio da Memória, e consiste em associar uma determinada informação a um local, ou percurso, bem conhecido. Por exemplo, se quiser decorar o seu NIB pode ligar cada dígito a um objeto da sua sala de estar, fabricando um ligação – para o dígito três, lembre-se das três almofadas, e assim sucessivamente. No exemplo do discurso, pode colar, na sua mente, cada palavra a uma etapa do percurso que faz todos os dias de casa para o trabalho. O importante é que a cada palavra associe uma imagem visual de um caminho bem conhecido. “As mnemónicas funcionam como um reforço visual e este tipo de estímulo é mais poderoso”, explica Luísa Lopes.
Faz-me um desenho
Claro que a repetição e a cópia nos ajudam também a decorar conceitos. Não é nisso que ainda hoje se baseia o ensino? Memorizar a tabuada, os reis de Portugal, os tipos de rochas… Marco Santos, 44 anos, empresário, foi campeão nacional de xadrez de sub-18. Na altura em que estava em forma, chegou a jogar com três pessoas em simultâneo, “às cegas”, ou seja, de costas para os três jogadores. Tudo uma questão de treino, insiste. “Parece muito complicado, mas não é. Eu estudava dez horas por dia, tinha todas as jogadas na cabeça, os movimentos da torre, do rei. Na verdade, estar ali o tabuleiro à minha frente só me atrapalhava”, relata.
De facto, a construção de uma imagem mental do que se quer memorizar é um passo crucial para tornar a memória fiável e duradoura. Myra Fernandes, investigadora do departamento de Psicologia da Universidade de Waterloo, no Canadá, estuda os problemas associados ao multitasking, que é sabido afeta a capacidade de reter informação. Para isso, a professora quis perceber de que forma é possível contornar esta limitação. Ou seja, como é que podemos fazer três coisas ao mesmo tempo sem nos perdermos no meio das tarefas. E o segredo é, precisamente, ir criando uma imagem mental de cada uma. Juntamente com uma das suas estudantes, percebeu que o segredo é precisamente desenhar. As experiências foram feitas com estudantes, idosos e também idosos com demência. E os resultados foram bastantes consistentes. Sempre que ao processo de memorização de uma palavra se associava o ato de desenhar, a memória formada era mais duradoura.
Aos estudantes foi pedido, por exemplo, que memorizassem palavras como “fotossíntese” ou “isótopo”. Metade dos voluntários teve de criar uma imagem e desenhar, a outra metade escreveu a palavra. “Nos estudantes que desenharam, a memória das palavras foi mais duradoura”, relata Myra Fernandes à VISÃO, a partir do seu escritório em Toronto. “E este efeito positivo não depende da capacidade artística”, frisa. Ou seja, não é preciso ser um Picasso para tirar benefício desta descoberta.
Nos estudos com idosos, e até mesmo em pessoas com demência, os resultados foram muito semelhantes. Ou seja, sempre que ao ato de memorização se junta um desenho, o cérebro torna-se mais eficaz a reter a informação. “Incluindo em situações de multitasking”, reforça a investigadora canadiana. “Quando desenhamos, criamos dois códigos para a mesma palavra, o verbal e o visual ou espacial.” Esta duplicação acaba por funcionar como um sistema de backup, particularmente relevante à medida que envelhecemos. “Nos idosos, a parte visual é mais preservada do que a verbal, pelo que o benefício em pessoas com demência é ainda maior”, continua Myra Fernandes.
Hoje, Marco Santos já não é capaz de decorar milhares de jogadas de xadrez. Mesmo assim, continua a beneficiar do treino mental que adquiriu na adolescência. “Ganha-se uma grande capacidade de concentração. No xadrez, perde o primeiro que se distrai.” E isto é válido seja para fixar o nome do novo colega, seja para fazer xeque-mate.
Como recordar um nome…
1º Preste atenção quando a pessoa se apresenta
2º Repita o nome (se o soletrar é ainda melhor – “Susana com s ou com z”?)
3º Associe o nome a uma imagem – tente encontrar uma característica da pessoa, do seu aspeto ou da sua profissão, que de alguma forma faça lembrar o nome. Exemplos: a Laura que é loira; o Jonas que é jornalista
4º Reveja, mentalmente, o nome e as associações feitas no dia seguinte
…memorizar um número…
• Separe os números por blocos, como costumamos fazer quando dizemos um contacto telefónico
• Associe cada dígito a um local familiar, a uma divisão da casa, por exemplo. Este é conhecido como Método de Loci. Também pode ser usado para outro tipo de memorizações, como um discurso. Pode associar cada palavra a um ponto do caminho que percorre até ao trabalho
…e decorar a lista das compras
• Faça um acrónimo que comece com a letra inicial de cada palavra que consta na sua lista. Por exemplo: bananas, ovos, leite, amêndoas (BOLA)