No início havia elogios, dava-se o benefício da dúvida e a vida parecia correr bem. O Governo de António Costa tomara posse a 26 de novembro (2015) e houve, até, quem acusasse Mário Nogueira, o líder da Fenprof, de andar muito calado, de não ir para a rua fazer manifestações nem exigências ao ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues
“As expetativas até reforçadas” com que o líder do maior sindicato dos professores saiu da primeira reunião com o ministro da tutela continuaram por mais algum tempo. Mário Nogueira deu “nota positiva” ao governante da 5 de outubro em abril de 2016. Logo no mês seguinte, quando foram postos em causa alguns contratos de associação de colégios privados com o Estado, o dirigente da Fenprof aplaudiu com um “Alguém tinha de fazer isto!”, além de louvar os “argumentos sólidos” do ministro.
Depois, bem, depois o caldo entornou quando se começaram a fazer as contas ao descongelamento das carreiras dos professores.
942 – 291,8= 650,2
São seis anos, cinco meses e dois dias que separam o Governo da Fenprof. O sindicato não aceita recuperar menos do que os nove anos, quatro meses e dois dias do tempo de serviço congelado e o Executivo diz que apenas pode pagar dois anos, nove meses e dezoito dias.
A partir do momento em que começaram as negociações, a linguagem também mudou. Tiago Brandão Rodrigues passou a ter “falta de dimensão política” e iria “dar-se tão mal” quanto Maria de Lurdes Rodrigues. Ambos se acusaram de “intransigência” e o ministro voltou a usar o “tango” para explicar que para negociar são precisos dois lados.
Aqui está uma cronologia de alguns momentos desta relação difícil através de frases ditas pelos próprios:
2015
Dezembro
“Saímos com expetativas não frustradas e até reforçadas.”
Mário Nogueira, dezembro, depois da primeira reunião com o ministro da Educação
2016
Abril
“Para já damos-lhe [ao ministro] uma nota positiva, não definitivamente positiva, não necessariamente negativa, pelos seus desempenhos e pela forma como tem defendido princípios importantes da escola pública, na Assembleia da Republica, e como se tem batido contra aquela direita conservadora, de visão fechada para a educação.”
Mário Nogueira
Maio
“A única coisa que é novidade é que, com ministérios anteriores, como o de Nuno Crato, houve sempre uma relação privilegiada com organizações da UGT. A Fenprof nem sequer era chamada. E é curioso que, agora que deixa de ser discriminada, há um conjunto de pessoas que consideram que tem um privilégio.”
Comunicado da Fenprof
“Eu não sei de que pressão estamos a falar. Não foi nada sequer proposto em momento nenhum ao Ministério da Educação. Nós só tivemos duas reuniões no Ministério e nunca foi abordado isto”.
Mário Nogueira, a rejeitar que tenha pressionado o ministro sobre os contratos de associação com os colégio privados
“Nos últimos 15 anos, só na região centro tivemos uma despesa, com estes contratos, superior a mil milhões de euros”. “Não estamos a falar de trocos, nem de cêntimos, nem de milhares. Estamos a falar de muitos milhões.”
Idem
Agosto
“Penso que o ministro, naquilo que tem sido o essencial do debate político, tem-se saído de uma forma que é de quem tem conseguido argumentar e com argumentos sólidos.”
Mário Nogueira, a rejeitar que tenha pressionado o ministro sobre os contratos de associação com os colégio privados
“Para mim isto não põe em causa os colégios privados. O que põe em causa de facto é esta discussão dos contratos de associação, porque toda a gente sabe que há vários tipos de contrato que o ensino particular e o Estado fazem. (…) Os contratos de associação têm um objetivo que é: a Constituição da República obriga o Estado, no seu artigo 65, a ter uma rede de estabelecimentos. (…) Ou seja, fez uma parceria com privados para que estes se associassem à resposta pública. Mas é uma parceria que é feita enquanto o Estado não cumprir aquilo que a Constituição o obriga, que é a ter suficiência de resposta. (…) A única novidade que este Governo fez foi escrever que em relação a isto, iriam ser fiscalizados os termos do contrato. Alguém tinha de fazer isso!”
Idem
Outubro
“[Tiago Brandão] já recebeu mais vezes a Fenprof do que [Nuno] Crato em todo o mandato.”
Mário Nogueira
2017
Junho
“Estamos neste momento, como sempre, em diálogo com as organizações sindicais, também com outros atores que fazem parte da educação porque o caminho faz-se de diálogo e o diálogo continua.”
Tiago Brandão Rodrigues
“Até esta hora [13h35] posso afirmar que não há nenhuma negociação em curso, não há nenhuma reunião a decorrer nem marcada.”
Mário Nogueira, no mesmo dia da declaração anterior
Outubro
“[Tiago Brandão Rodrigues] tem falta de dimensão política.”
Mário Nogueira
Novembro
“Têm a minha palavra de que lutarei radicalmente pelos direitos dos professores. É preciso fazê-lo entre todos para que as condições do pessoal docente e pessoal não docente possam ser melhoradas inegavelmente e indubitavelmente.”
Tiago Brandão Rodrigues
“Os docentes estão à espera de ter um ministro que os defenda na contagem do tempo de serviço que prestaram.”
Mário Nogueira
2018
Março
“Está a fazer o mesmo que fez a sua antecessora Maria de Lurdes Rodrigues há dez anos. Ela achou que, mesmo perdendo os professores, teria a opinião pública do seu lado, mas deu-se mal, e este ministro também se dará mal.”
Mário Nogueira
Junho
“Pela minha parte e do Governo existe vontade de negociar, mas para uma negociação, tal como no tango, são precisos dois. São precisos passos para negociar.”
Tiago Brandão Rodrigues
“O senhor ministro pode dizer o que lhe apetece e depois não praticar, porque quem pode convocar reuniões negociais é o senhor ministro da Educação. E eu repito, porque já foi dito no Ministério da Educação, que a disponibilidade da negociação é total da parte dos sindicatos.”
Mário Nogueira
“Não fomos nós que fechámos a negociação” […] “o senhor ministro da Educação é que disse que se não aceitávamos a posição dele, se acabava ali e não havia posição nenhuma.”
Mário Nogueira
Julho
“Teremos novos dados para dissipar qualquer nebulosa nesta matéria. Faremos um novo caminho [nas negociações].” […] “não é possível a contagem integral do tempo” [que o Governo considera ser de sete anos].
Tiago Brandão Rodrigues.
Outubro
“Mais do que uma provocação, a aprovação da eliminação de seis anos e meio de trabalho dos professores, em plena luta dos professores, não é apenas uma provocação: é uma declaração de guerra aos professores.”
Mário Nogueira
2019
Janeiro
“Negociaremos atempadamente, oportunamente, com os sindicatos, com a transparência e boa fé negocial a que já habituámos as organizações sindicais. Queria também dizer que o Orçamento do Estado para 2019 é válido durante todo o ano de 2019 e nós temos calendário de execução desse OE com responsabilidade e tendo sempre em conta que é importante poder cumprir esse OE.”
Tiago Brandão Rodrigues
“Perante a incapacidade e a comprovada incompetência política do ministro da Educação para dirigir esta negociação, competirá ao Governo, particularmente a António Costa, encontrar, urgentemente, a sede negocial adequada ou, então, substituir o ministro.”
Mário Nogueira
Fevereiro
“Está fora de hipótese. Não há acordo possível com menos de nove anos.”
Mário Nogueira
“É preciso dizer que os sindicatos voltaram a ser intransigentes e o Governo deu o passo que já tinha dado, moveu-se da sua posição.”
Tiago Brandão Rodrigues
“Esbarrámos num muro de intransigência.”
Mário Nogueira