Até há pouco tempo não passava de uma erva que se dava aos coelhos e que aparecia no rótulo de bebidas substitutas do café. Depois começou a chegar-nos à mesa, misturada entre diferentes tipos de alface. Em breve, graças aos seus inúmeros atributos, poderá ser a estrela principal do seu prato. Pelo menos é este o objetivo da União Europeia (UE), que vai gastar 7,3 milhões de euros no projeto CHIC, que envolve institutos de investigação de 11 países europeus, incluindo Portugal, e mais um na Nova Zelândia, num valor de mais de 7 milhões de euros.
Na Europa, ao contrário da América, a engenharia genética aplicada ao melhoramento de plantas não é bem-vista. Há o terror relativo aos organismos geneticamente modificados – os OGM –, mesmo que nenhum estudo feito em décadas de utilização tenha encontrado qualquer malefício. Assim, para evitar protestos e desconfiança por parte dos consumidores, a UE quer melhorar as formas de cultivo, aumentando a eficiência e melhorando as espécies, sem recorrer àquele método.
Numa técnica de melhoramento tradicional, os agricultores vão escolhendo as melhores plantas de cada safra e cruzando esta seleção por inúmeras vezes até chegarem ao espécime próximo do ótimo: que cresça mais rapidamente ou dê mais sumo, que seja mais vermelho quando estiver maduro. Na engenharia genética, é selecionado um gene de um ser vivo que confira uma vantagem, como a capacidade de resistir à seca. Este gene é implantado na planta em questão e assim obtém-se uma planta mais resistente. No processo convencional, pode-se demorar 25 anos, num esquema de tentativa e erro, até se atingir o objetivo. Na engenharia genética, encontrado o gene que interessa introduzir, tudo acontece de forma mais rápida, mas há a questão da desconfiança. Daí que a UE esteja interessada em encontrar um meio-termo. Técnicas de produção alternativas, que combinem uma forma “suave” de engenharia genética com o ideal de melhoramento que tem vindo a ser feito desde os nossos antepassados agricultores, no Neolítico.
Estas novas técnicas de produção passam, por exemplo, pela cisgénese, que também implica a introdução de um gene, mas de uma espécie que poderia cruzar-se naturalmente. No caso de uma maçã verde, é adicionado um gene que confere a cor de uma maçã vermelha. O resultado desta mistura será um fruto mesclado, de verde e vermelho. A diferença parece subtil, mas é o suficiente para que haja um movimento a favor da não classificação da cisgénese como uma técnica de engenharia genética que dá origem a um OGM.
Tecnologia verde
Por ser pouco desenvolvida em termos de produção e com grande potencial nutricional – é um bom anti-inflamatório, anticancerígeno, laxante –, a chicória foi a planta eleita para a aplicação das novas técnicas. Portugal participa através do Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (iBET), instituto privado sem fins lucrativos, que atua na área da biotecnologia e das ciências da vida. Uma importante parte do projeto consiste em testar se as variedades selecionadas são toleradas pelo intestino, ou seja, se não são tóxicas.
Será esta a tarefa da investigadora Cláudia Nunes Santos que, no laboratório em Oeiras, irá receber a planta melhorada, identificar a que tem melhores propriedades, como anti-inflamatório, por exemplo, e verificar se tem toxicidade – um teste que será feito em células. “Já sabemos que as folhas da chicória têm propriedades anti-inflamatórias. Agora, queremos selecionar as que são mais ricas neste aspeto, sem que isso traga efeitos negativos à saúde do consumidor”, explica Cláudia Nunes Santos, responsável pelo grupo de investigação em nutrição molecular e saúde.
Outra parte, que ficará a cargo do iBET, é a extração dos compostos que podem funcionar como um medicamento, como é o caso dos terpenoides ou terpenos – com propriedades anticancerígenas – que existem na planta da chicória, mas em quantidade muito reduzida. A intenção, portanto, é chegar a uma planta mais rica nestas substâncias e, depois, conseguir extraí-las de forma que possam ser tomadas, em maior concentração, num comprimido, por exemplo. Será esta a participação do grupo de Ana Matias, que está a desenvolver um processo amigo do ambiente e da saúde das pessoas para a extração dos terpenos.
O método será à base de dióxido de carbono que, sujeito a pressões e a temperaturas controladas, tem a capacidade de “arrastar” os terpenos da chicória, separando-os da planta. O processo acontece numa espécie de tanque, sendo que à saída ficam os terpenos, o inócuo dióxido de carbono e os restos da chicória. “O dióxido de carbono tem vindo a ser usado como um solvente verde, em alternativa à acetona e ao clorofórmio, que são prejudiciais [o processo ainda usado por algumas empresas na extração da cafeína, para fabricar o descafeinado]”, explica Ana Matias. O leitor tem então quatro anos e meio, o tempo de duração do projeto, para adaptar o seu paladar à nova tendência no mundo dos superalimentos.
O que é que a chicória tem?
Os benefícios de um alimento que só tem virtudes
Na raiz
– A raiz da chicória é rica em inulina, uma fibra que ajuda na perda de peso e alimenta a saúde do intestino, protegendo a flora
– Contém vitamina B6, associada a uma boa saúde cerebral
– Ajuda a manter bons níveis de açúcar no sangue
– Alguns estudos em animais indiciam propriedades anti-inflamatórias
Nas folhas
– Bons níveis de vitamina A, para a saúde da pele e das mucosas, e betacaroteno
– Alto teor em vitamina K, que contribui para a saúde do cérebro
– Boa fonte de ácido fólico, importante no metabolismo dos hidratos de carbono