Quando, em 1983, Karl Lagerfeld foi convidado para ser diretor criativo da histórica Chanel, quase toda a gente o aconselhou a recusar. “Disseram-me: ‘não toques na Chanel, é passado, nunca vai regressar’, mas para mim tornou-se um desafio”, contou o designer ao jornal The New York Times anos mais tarde. E é difícil ver Lagerfeld fugir a uma provocação, seja na forma como reinventa os clássicos criados por Coco Chanel, acrescentando-lhes inovação e frescura, ou como continua a dividir-se entre várias marcas, da maison francesa à sua linha própria (“tenho de fazer alguma coisa com este nome,” brincou numa entrevista à Vogue norte-americana em 1984). São suas muitas das peças que temos no nosso guarda-roupa, das intemporais interpretações do fato em tweed criado por Coco Chanel, às diferentes peças onde imprimiu o duplo C. Hoje, tanto vemos o poderoso símbolo da maison francesa em casacos de cabedal como em t-shirts ou nas várias it bags da marca, bem atualizadas. sem esquecer os incríveis cenários que Lagerfeld imagina para cada novo desfile. Na última coleção de couture da Chanel, apresentada em julho, em Paris, mostrou um vestido de noiva em tweed verde pálido, tão imprevisível quanto elegante.
Karl Lagerfeld é também uma caricatura de si próprio, conhecido pelas suas opiniões fortes e muitas vezes polémicas, pelos fatos impecáveis, o rabo de cavalo prateado e os colarinhos apertados. É também o homem que perdeu peso para poder usar os fatos skinny que Hedi Slimane desenhava para a Dior Homme no virar do milénio, escrevendo depois sobre os pormenores da dieta num livro que se tornou um best-seller. “Só consegue emagrecer quem é realmente entediante, como eu”, terá dito.
Diferentes teorias atribuem-lhe diferentes idades, que Karl Lagerfeld não confirma nem desmente. O mais provável é que tenha nascido há 85 anos em Hamburgo, onde estudou até se mudar com a família para Paris, ainda adolescente. O desenho e a moda sempre vieram por instinto – logo em 1955, o jovem Lagerfeld torna-se assistente de Pierre Balmain, depois de ganhar um concurso de design de casacos. Nunca estudou design de moda nem se preocupou muito com isso. Três anos mais tarde, já era diretor artístico da casa de alta-costura Jean Patou. Deixa o cargo em 1962 para colaborar com várias marcas, como a Repetto ou a Chloé, onde começou por desenhar apenas algumas peças e acabou a assinar toda a coleção até à década de 70. Nessa mesma época começou também a colaborar com a italiana Fendi, parceria que mantém até hoje. Torna-se numa das personalidades mais criativas de Paris, um designer de convicções fortes, capaz de criar coleções de pronto-a-vestir que captam na perfeição a modernidade dos novos tempos.
A década de 80 tinha acabado de começar e Lagerfeld, então com 49 anos, torna-se director criativo da Chanel. Foi o primeiro criador a revitalizar uma marca histórica, como viria a fazer Tom Ford com a Gucci nos anos 90 ou Riccardo Tisci com a Givenchy nos anos 2000. Não esquecer ainda o seu talento para a fotografia e o cinema, que explora quase sempre em projetos ligados à Chanel. A sua permanente insatisfação é uma das suas melhores qualidades. “Sempre senti que podia fazer melhor,” disse, a propósito do seu trabalho, numa entrevista ao The New York Times em 2015. “Sinto-me sempre como se estivesse por detrás de uma parede de vidro que não consigo partir para chegar aquilo que quero.” Diríamos que, pelo menos, anda muito perto da perfeição.