“O nosso alvo, agora, são mulheres de 20, início dos 30 anos”. A frase de Susan Herzberg, presidente da Prelude Fertility, uma rede de clínicas de fertlilidade nos Estados Unidos, resume o ponto em que se encontra, atualmente, a campanha nacional para convencer jovens a submeterem-se ao mesmo processo por que passam as mulheres que têm de fazer um tratamento para engravidar: a toma de hormonas, através de injeções, para estimular o crescimento folicular e permitir depois a extração de um número considerável de óvulos (sem tratamento cada mulher tem um por ciclo) para posterior criopreservação.
No entanto, o processo é apresentado aos millennials de forma jovial, como uma escolha de estilo de vida, fácil e acessível. Depois? Depois está feita a reserva fértil para mais tarde usar, sem sujeição ao relógio biológico.
Quando a extração e conservação de óvulos deixou de ser considerada uma técnica experimental, várias clínicas norte-americanas começaram a lembrar às mulheres que a fertilidade é finita e que começa a decair logo na casa dos 20. O alvo eram, no entanto, as mulheres mais velhas, perto do final da idade considerada fértil.
Agora que o foco se virou para as mais jovens, encontram-se slogans como “congela o teu futuro” ou, mais alarmista, “os óvulos são um recurso não renovável”. E, relata o The New York Times, há clínicas que até estão a organizar festas em que, entre champanhe e canapés, se fornece às convidadas informação sobre o processo. A “glamourização” do procedimento continua no Instagram, com as clínicas a partilharem imagens de figuras públicas que se submeteram à técnica e, pelo menos em Nova Iorque, uma convida as potenciais clientes a fazerem análises hormonais numa carrinha disponibilizada para o efeito.
Se há uns anos o custo de um ciclo de tratamento chegava nos EUA aos 19 mil dólares (mais de 16 mil euros), agora é possível fazê-lo por 4 mil dólares (3500 euros) em alguns sítios, sem contar com a medicação, e não é raro as clínicas oferecem planos de pagamento faseados.
O processo começa com uma ou duas semanas de toma de um contracetivo oral, a que se seguem cerca de 10 dias das tais injeções hormonais para estimular a produção de óvulos. Uma vez chegados ao ponto certo, que é controlado ecograficamente, os óvulos são colhidos através de punção e depois congelados.
Segundo a Sociedade da Tecnologia para a Reprodução Assistida, espera-se que só este ano 76 mil norte-americanas optem por criopreservar os seus óvulos. E não será uma surpresa se, no final, feitas as contas, uma grande fatia forem millennials. Esta mudança na idade é percebida também por Valerie Landis que, com a sua decisão de guardar óvulos quando tinha 30 e poucos anos, criou o blogue Eggsperience, agora uma referência no tema. Se no início do projeto, quem a procurava eram, na sua maioria, mulheres com mais de 37 anos, agora chega a ser contactada por pais que querem oferecer o procedimento como um presente para as filhas adolescentes ou perto dos 20.
“Sentir que se controla a própria vida”
Um estudo da Universidade de Yale, publicado em julho, descobriu que a carreira ou a ambição profissional não são o principal fator que leva as mulheres a adiar a maternidade, mas sim “a falta de um parceiro estável”. “Congelar óvulos traz esperança para muitas”, escreve Marcia Inhorn, a antropologista que liderou a investigação.
As mulheres ouvidas pelo The New York Times acrescentam o lado prático às motivações: “Uso protetor solar para me proteger de futuros danos causados pelo sol. Faço exercício para controlar o peso. Porque não prevenir um futuro sofrimento e dor emocional”, questiona, com ligeireza Sidonia Rose Swarm, uma das responsáveis do site Freeze.Health, que tem conhecimento de várias histórias de problemas de fertilidade.
Victoria Reitano, de 27 anos concorda: “Nalgum ponto da minha vida tenciono ter, pelo menos, dois filhos. Já tenho provisões para isso.”
E há quem não se sinta confiante com um só ciclo. É o caso de Taylor Lorenz, 31 anos, que se submeteu ao processo pela primeira vez aos 28, depois do fim de uma relação de vários anos. Desde então, fez mais cinco. Agora, tem um total de 41 óvulos criopreservados. “É uma forma de sentires que controlas a tua vida”, considera.
Um controlo relativo, diga-se. Dados da Associação Americana para a Medicina Reprodutiva indicam que cada óvulo congelado tem 2 a 12% de probabilidade de resultar num nascimento. Também nem todos sobrevivem ao processo de descongelação e há neste momento duas clínicas, uma Cleveland e outra de São Francisco, a braços com processos legais pela perda de milhares de óvulos na sequência de falhas na refrigeração.
Escusado será dizer também que como tratamento hormonal que é, a indução da ovulação tem várias implicações, tanto físicas como emocionais. Reitano, por exemplo, recorda que se nos primeiros dias de injeções se sentiu “incrível”, uma semana depois já se sentir muito cansada e com dificuldade em lembrar-se das palavras que queria usar e, no final, “nem queria ver outro ser humano”.
Estas alterações de humor, juntamente com inchaço abdominal, são efeitos secundários comuns. Mas nas contas riscos-benefícios, as millennials norte-americanas parecem estar a apostar nos benefícios.