Antes de perceber um pouco melhor do que se trata, saiba que estamos a falar de uma área de investigação com pouco mais de uma década e que dá pelo nome de computação afetiva, um sistema que simula, identifica ou adapta sentimentos e emoções humanas. Agora imagine a seguinte fórmula: um algoritmo, uma base de dados e registos de eletrocardiogramas (ECG): seria possível classificar, em tempo real, os dados do portador e o seu estado emocional, mesmo que sejam emoções primárias apenas, como o medo ou a alegria. Isto ainda não é uma realidade, mas pode vir a ser, num futuro próximo e, se tomadas as devidas cautelas no plano ético, ter um enorme potencial nas áreas da saúde e da justiça.
Os sinais do coração e NRC
Tudo começou quando uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro (UA) lançou mãos à obra e iniciou um projeto de colaboração interdisciplinar entre engenharia, informática e psicologia e, com o financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), desenhou um algoritmo com o objetivo de identificar pessoas e emoções.
A primeira fase foi concluída no ano passado e a investigadora que Susana Brás, que lidera o projeto, explica como funciona o NRC, ou medida de compressão relativa. “O algoritmo permite avaliar a quantidade de informação comum a dois registos – como a resposta cardíaca e o estado emocional – e quanto mais próximos forem, maior a probabilidade de ambos pertencerem à mesma classe.”
O ‘som’ das emoções
Para validar o algoritmo (em offline), 25 estudantes universitários foram submetidos a três sessões de visionamento de um pequeno filme com a duração de 25 minutos cada. Durante o tempo em que estiveram diante do monitor tinham auscultadores e sensores ligados aos dedos das mãos, no pulso e no pé, de modo a ser medida a frequência cardíaca e a resposta a três condições distintas: neutro, nojo e medo. “Numa fase posterior vamos introduzir uma emoção positiva, como a alegria”, esclarece Susana, antes de dar a saber que resultados obtiveram nesta etapa preliminar. Para já, é possível adiantar que as ondas registadas associadas ao nojo apresentavam um nível de ruído interno superior às do medo e que estas eram superiores às geradas pelo visionamento do filme com a condição neutra. “Este ruído captado no traçado do ECG deve-se à ativação dos movimentos musculares e gástricos; quanto menor a ativação lida, mais ‘limpo’ o som.”
Revolução biométrica
As aplicações móveis que apresentam os nossos indicadores fisiológicos – associados à prática desportiva, por exemplo – fazem algo parecido com isto, mas não é a mesma coisa. “A maioria das aplicações móveis avalia os batimentos cardíacos por minuto, que variam em função de muitos fatores e não permitem identificar emoções.”
Daqui em diante, a ideia é criar uma aplicação específica para ser usada em dispositivos móveis e, para isso, “descobrir uma maneira de reduzir ao mínimo o nível de intrusividade dos sensores para que os participantes da pesquisa os possam usar de forma contínua e sem interferências externas”. O potencial do sistema será mais claro e percetível quando existir uma base de dados grande e representativa.
Vantagens sim, mas com ética
“Ao comparar registos e identificar a pessoa e a emoção a partir da maior medida de semelhança, pretende-se adaptar o software às necessidades que ela tem” assegura a investigadora do Instituto de Engenharia Eletrónica e Informática de Aveiro da UA. Seria o caso de alguém deprimido ou ansioso, com um padrão de resposta de medo, em que o programa deteta e adapta o ambiente da casa ou do espaço de trabalho de forma a reverter a emoção. Outra das aplicações pode vir a ser a avaliação da eficácia de uma intervenção psicológica ou, ainda, como complemento em tratamentos de reabilitação, “adaptando a intensidade do tratamento ao estado emocional do paciente nesse dia”. Já no caso das perícias criminais, abrem-se novas portas no campo da avaliação das emoções dos suspeitos e das testemunhas durante a fase de interrogatório. Ainda não estamos neste ponto, mas a questão da ética estará certamente sobre a mesa nessa altura. A existir uma aplicação deste tipo, “o acesso deve ser feito com cuidados, no contexto de uma terapia ou garantindo que o seu uso não é indevido.”