Edite Estrela, 66 anos, dirigente do PS
Uma libertação
“Tinha 5 anos e era a aluna mais nova desse ano letivo na aldeia de Belver, em Carrazeda de Ansiães. Tinha uma grande expectativa e muita vontade de ir para a escola, porque significava uma espécie de promoção etária. Ascendia ao estatuto de ‘crescida’. Foi talvez a minha maior aventura. Tinha a vantagem de conhecer a professora Joaquina Sampaio, que era amiga da família, já tinha sido professora da minha irmã e ia frequentemente tomar chá com a minha mãe. Já sabia fazer as letras, mas tinha muita curiosidade em aprender coisas novas. Gostava da escola, do convívio com as outras crianças, pois o meu pai não me deixava brincar na rua, e representava uma libertação.”
Ana Sofia Martins, 29 anos, modelo e atriz
Dever cumprido
“Com seis anos, em 1992, fui para a 1ª classe no Externato Santa Maria de Belém, no Restelo, em Lisboa, onde já tinha feito a pré-primária, no ano anterior, com a professora Palmira. Mudar para a sala da professora Adelaide, que embora fosse assertiva era muito querida, era uma grande responsabilidade. Fui a pé desde Algés, acompanhada pela minha mãe. Lembro-me da mala, que pesava mais, que os livros cheiravam a novo, os cadernos tinham etiquetas com o meu nome e o meu afia em forma de carrossel ia fazer sucesso. Entrei na sala de aula e vi algumas caras novas. Isso fascinou-me. Nesse primeiro dia, a dona Hilda, diretora do colégio, deu-nos as boas-vindas e desejou-nos boa sorte. De pé, agradecemos-lhe. Assim começava a minha vida de estudante. Aprendemos a fazer símbolos, que mais tarde se tornariam letras, brincámos muito e fui para casa com o sentido de dever cumprido, sabendo que no dia seguinte tudo começaria de novo.”
Joana Vasconcelos, 44 anos, artista plástica
Uma aventura
“Mais marcante do que a ida para a 1ª classe, que na verdade não me lembro, foi a mudança para a Escola Secundária António Arroio, aos 15 anos. Só o facto de ir sozinha desde Linda-a-Velha até às Olaias, em Lisboa, já era uma aventura. Saía de casa às seis e meia para entrar às oito. Era preciso apanhar autocarros, metro e subir a pé a Alameda Afonso Henriques. Era uma sensação de liberdade, de integrar um grupo que tinha a ver comigo, que me fez pensar na vida como artista. O meu pai tinha-me dado um walkman amarelo, e quando cheguei à escola com os headphones senti que pertencia àquele lugar. Ali havia mais pessoas parecidas comigo. Era uma punk rockabilly, usava o cabelo curto, calções às riscas, botas pretas de verniz e cabedal da Ana Salazar. Havia um culto do artístico. As praxes é que me desagradaram, quando me quiseram cortar e pintar o cabelo. Só voltei uma semana mais tarde.”
Frederico Morais, 24 anos, Surfista
Amigos para a vida
“Adorei o meu primeiro dia de aulas na Escolinha da Tia Ló, em Birre, Cascais. Era uma escola muito familiar e acolhedora, onde tinha de usar uma farda às riscas brancas e vermelhas com calções vermelhos. Não tenho bem a certeza com que idade fui, mas segundo a minha mãe tinha seis anos. À tarde, cheguei a casa feliz e já com novos amigos. Muitos deles são os que mantenho nos dias de hoje. Ainda há pouco tempo falava com outros surfistas e atletas de alta competição sobre a importância de ir à escola em vez de ter aulas em casa.”
Júlio Isidro, 71 anos, apresentador
Em lágrimas
“Na altura morava na Avenida João Crisóstomo, em Lisboa, perto da Gulbenkian, e o Colégio Valsassina ficava perto de onde é hoje o El Corte Inglés. Usava calções e também me lembro perfeitamente de um fato de tweed comprado na loja Old England, na Rua Augusta, na Baixa. Na pasta levava o meu tablet da época: uma lousa com os respetivos lápis e um paninho para apagar. A minha mãe levou-me à escola e fiquei a chorar, e acho que a ‘mamã’ também chorou. O segundo dia, esse sim, é que é memorável. A professora Conceição, que na altura todos tratávamos por ‘minha senhora’, começou a ensinar a contar num ábaco, aquela armação em madeira com uns arames e umas bolinhas. Quando chegou a minha vez de ir ao ábaco, o ‘menino Julinho’ começou a puxar por aquilo, o ábaco caiu-me em cima e parti a cabeça. Houve muito choro, um bocadinho de sangue – ligaram para casa, ainda me lembro do número de telefone, 43455 –, e a minha mãe levou-me à farmácia do senhor Cosmos, que me pôs dois agrafos na cabeça, e nesse dia ‘meti baixa’. A partir do seguinte, passei a ir para a escola a pé, sozinho.”
Rui Reininho, 61 anos, cantor
Dias traumáticos
“Sendo filho único, com um círculo restrito de primos e de vizinhos da Baixa do Porto, o primeiro dia de aulas foi um pouco perturbante, porque não conhecia a maior parte dos colegas. Ainda tenho alguns flashbacks com o recreio, que era muito confuso. Tive dificuldade em adaptar-me. A formatura, antes de entrar na sala de aula, também me perturbava. Fazer uma fila, dois a dois de mãos dadas, perturbava-me. Era um misto de campo de concentração, que depois se tornou muito simpático, porque de certa maneira a escola era risonha e franca. Para a época, tinha uns pais muito modernos, e cheguei a ter lousa de plástico com um apagador acoplado, safa [borracha] e aguça [afia-lápis]. A minha professora, Dona Adelaide, era uma senhora já de 80 e poucos anos que tinha sido professora do meu pai, uma coincidência cósmica. Era uma santa, fingia que dava umas palmadas, mas era só a humilhação. Foi um tempo traumático, porque no mês seguinte ao início das aulas a minha avó morreu em casa, subitamente, e pensei ‘que mais me irá acontecer?’”
Tolentino de Mendonça, 50 anos, Poeta e teólogo
Onde se pode ser feliz
“A presença dos meus irmãos na escola no Lobito, em Angola, foi um elemento facilitador. Foram as minhas âncoras. Tinha seis anos e na pasta levava os cadernos e um livro. O meu pai levou-me ao primeiro dia de aulas com o professor Francisco. Chorei na despedida, tal como os outros colegas que iam chegando, quase como que a cumprir um ritual. Lembro-me da experiência de estar só, depois do entusiasmo de ser uma nova etapa, apesar de não saber onde me levaria. Era uma escola colonial ampla (pelo menos, tenho essa ideia), com rés do chão e primeiro andar, grandes varandas e uns campos para praticar desporto, tudo rodeado por um muro. Detalhes como o que aprendi nesse dia ou onde fiquei sentado não me recordo, mas sei que voltei para casa com um sentimento de alegria, de ter descoberto mais um lugar onde podia ser feliz. Só à saída encontrei os meus irmãos. Não precisei da proteção deles ao longo do dia.”