Augusto Santos Silva, que fechou os dois dias de debate, recusa a ideia de que o Governo vá seguir a lógica do “pisca-pisca” à procura de maiorias que garantam a sua sobrevivência até 2023, mas também sublinhou a ideia de que só uma solução “contranatura” – que junte os antigos parceiros da geringonça aos partidos da direita – deixaria o PS isolado. A acontecer, avisou à esquerda, isso significaria uma “traição” do eleitorado.
O ministro dos Negócios Estrangeiros não precisou de esgotar os 30 minutos previstos para a última intervenção de fundo do debate para definir a “linha de clivagem” entre o Governo e a oposição, que coloca à direita do PS, e a “fratura” com os partidos de esquerda. O Executivo traça o “duplo objetivo” de reforçar os serviços públicos (convergindo com a União Europeia) e cumprir as regras orçamentais. E se, por um lado, esse objetivo “não se consegue [alcançar] com políticas de austeridade cega, com o enfraquecimento do Estado Social, com a diminuição de direitos das pessoas”, por outro lado, também não se concretiza com “irresponsabilidade financeira, como aquela em que incorrem todos quantos se limitam a prometer baixas de impostos ao mesmo tempo que exigem aumento da despesa ou a expansão do investimento e dos serviços públicos”.
Essa foi a mensagem à volta da qual Augusto Santos Silva foi construindo os seus argumentos. Mais cáustico com a direita parlamentar, o ministro dos Negócios Estrangeiros acusou Rui Rio de “olhar para trás” e de estar amarrado a um tempo em que “os casamentos se [construíam] com noivas e enxovais”. E foi mais longe quando acusou os tradicionais partidos da direirta parlamentar de se deixarem “arrastar pela lógica das insinuações, dos ataques pessoais, dos casos e casinhos”. PSD e CDS até podem pensar que essa será a fórmula para retirar “espaço de manobra à direita extremista” quando, na verdade, para o ministro, “o que faz é alimentá-la”. Com André Ventura na sala, Santos Silva acrescentou que a democracia vive da “enorme vantagem de Portugal ser um país em que o nacional-populismo e a xenofobia não têm expressão relevante” no contexto político.
A esquerda ouviu e, ainda que noutro tom, acabaria mesmo por ser alvo de largas passagens do discurso de uma das vozes mais críticas da anterior solução governativa no círculo mais fechado de António Costa. É aqui que entram os avisos de uma possível “traição” ao voto dos eleitores caso Bloco de Esquerda e PCP se decidam por dar a mão à ala direita do Parlamento. Costa já tinha feito as contas ao cenário parlamentar para concluir que seria preciso essa união negativa de forças para derrubar o PS; Santos Silva seguiu pela mesma aritmética e lembra que a instabilidade governativa está presa a uma “coligação negativa contranatura”.
É garantido à partida, reconhece, que haverá desacordos. “Não convergiremos em tudo, exprimiremos muitas vezes pensamentos opostos, apresentaremos muitas vezes propostas contrárias, conflituaremos em pontos críticos”, começou por dizer. “Mas, quando os parceiros dialogam sem reservas e para obter resultados, as parcerias funcionam e os resultados são obtidos”, acrescentou. Ignorar esse caminho e formar outro tipo de alianças seria “uma traição ao nosso eleitorado”.
Aos que antecipam uma governação “pisca-pisca”, com um PS numa permanente busca de apoios para cada um dos lados do hemiciclo, o ministro garante: “Será exatamente o contrário” daqui até 2023. “Asseguraremos a mudança de 2015 com um rumo estratégico sem desvios nem hesitações” – de olhos postos nos agora ex-parceiros mas também nos “novos parceiros ou nos parceiros mais fortes”.