O juiz Ivo Rosa, que tem o comando da fase de instrução da Operação Marquês, reservou quatro dias para ouvir o principal arguido do processo. José Sócrates começou a ser ouvido, na segunda-feira, no Tribunal Central de Instrução Criminal, no processo em que é acusado de 31 crimes, entre eles de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal agravada.
A acusação alega que entre 2006 e 2014 Sócrates terá recebido cerca de 34 milhões de euros a troco de favorecimentos ilegais ao Grupo Espírito Santo, ao Grupo Lena e ao empreendimento Vale do Lobo.
Estas são algumas das perguntas inevitáveis do juiz de instrução, agora que passam quase cinco anos desde que Sócrates foi detido à chegada ao Aeroporto de Lisboa. Embora a defesa esteja sobretudo concentrada em anular provas constantes do processo, as respostas do ex-primeiro-ministro neste interrogatório serão determinantes para de se livrar de ir a julgamento por todos estes crimes ou, por outro lado, agravar a acusação.
1. Quando começaram os empréstimos sem fim do amigo e como os explica?
José Sócrates tem defendido, desde que alguns dados do processo se tornaram públicos, que todas as tranches de dinheiro que recebeu do empresário Carlos Santos Silva eram empréstimos que tencionava ir pagando. Mas nunca convenceu o Ministério Público, que acredita que o amigo de Sócrates era o seu principal testa-de-ferro e que as contas na Suíça (com cerca de 20 milhões de euros) em nome de Santos Silva eram na verdade o depositário do dinheiro que terá recebido fruto de actos de corrupção. Se assim não fosse, diz a acusação, Santos Silva não se sentiria na obrigação constante de acudir aos pedidos de dinheiro de José Sócrates, nem responderia tão prontamente, sobretudo quando estava a trabalhar ou se encontrava fora de Lisboa. Resta saber o que José Sócrates terá a acrescentar sobre este tema e se conseguirá convencer o juiz de instrução de que é possível receber empréstimos através de empréstimos sem sequer tirar notas dos mesmos e sem nunca devolver uma pequena parte ou estabelecer um plano de pagamentos. Terá ainda certamente de explicar por que razão Santos Silva não suportava só a maior parte das suas despesas, mas também os encargos da sua ex-mulher, as viagens com a namorada, os pedidos de ajuda da amiga Sandra Santos ou a compra dos seus livros.
2. Porquê tanto secretismo à volta da casa de Paris?
Também a casa de Paris era um empréstimo do amigo, tem alegado José Sócrates. E também essa casa é mais uma prova de que o dinheiro que Sócrates depositara em contas na Suíça de Santos Silva estava a ser branqueado na compra de imóveis, diz o Ministério Público, que acrescenta à lista casas que eram da mãe de José Sócrates e que Carlos Santos Silva comprou. José Sócrates terá de explicar porque documentos sobre essas transações foram escondidos, porque era chamado a escolher os materiais da casa de Paris (se esta afinal não era sua) e porque proibia o filho de falar sobre o tema ao telefone.
3. Porque andavam os milhões a saltitar de conta para conta?
A acusação diz que José Sócrates montou uma complexa teia de contas bancárias em nome de vários titulares para dificultar a descoberta da origem e destino do seu dinheiro. No meio dessa teia aparecia Santos Silva, mas também Joaquim Barroca, patrão do grupo Lena, o ex-ministro Armando Vara, e o empresário luso-angolano Helder Bataglia. Como explica as transferências bancárias entre estes intervenientes? Que elos de ligação os uniam?
4. Como explica as expressões em código nas conversas telefónicas?
Se o dinheiro era de Santos Silva e todas as transações se resumiam a empréstimos, porque falava ao telefone sempre de forma encoberta, usando expressões como “documentos” ou “fotocópias”?
5. Que papel teve na ida de Armando Vara para a CGD e o que sabe sobre Vale do Lobo?
Armando Vara tinha 2 milhões de euros acumulados numa conta na Suíça, de que era co-titular juntamente com a filha. Essa conta, em nome da Vama Holding, terá recebido dinheiro que aparece no circuito da Operação Marquês. A que propósito? A acusação diz que o ex-ministro socialista e ex-administrador da CGD recebeu dinheiro ilicitamente por ter aprovado um crédito ruinoso a Vale do Lobo, resort de luxo no Algarve. Sócrates tem repetido que não teve qualquer intervenção na ida de Armando Vara para administrador da Caixa (Vara e Santos Ferreira teriam sido escolhas do ex-ministro Teixeira dos Santos) nem em qualquer decisão de crédito que aquele tomou. Vara, por seu turno, arranjou finalmente uma hipotética explicação para o dinheiro que recebeu na conta suíça. Já na fase de instrução, assumiu ter cometido um crime de fraude fiscal, e ter recebido, quando era diretor do banco público, pagamentos em dinheiro vivo de clientes do Leste europeu, que posteriormente entregaria ao seu gestor de conta, Michel Canals.
6. No que é que ajudou o Grupo Lena e porquê?
O Ministério Público argumenta que uma parte do dinheiro que Sócrates terá acumulado na Suíça, nas contas de Carlos Santos Silva, são pagamentos feitos pelo grupo Lena a troco de benefícios dados pelo então primeiro-ministro. Ajudas em negócios em Portugal, na Venezuela ou em Angola. Afinal, qual a ligação de José Sócrates com o grupo de Leiria, no que é que o ajudou e porquê?
7. Que relação mantinha com Ricardo Salgado?
Uma boa parte do dinheiro acumulado na Suíça terá tido origem no Grupo Espírito Santo. Para a acusação, a tese é esta: Ricardo Salgado pagou a José Sócrates para que o governo beneficiasse o GES e o BES em negócios como a contestação à OPA da Sonae sobre a PT. Afinal, que encontros houve entre Salgado e Sócrates e que razão encontra para Helder Bataglia, outro dos arguidos do processo, ter dito que Salgado lhe pediu para transferir 12 milhões de euros para as contas de Carlos Santos Silva?
8. E que intervenção teve na história da OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom?
Para o Ministério Público, terá sido esta a mais preciosa ajuda do governo de Sócrates aos interesses de Ricardo Salgado. E essa ajuda terá sido compensada financeiramente através do alegado testa-de-ferro Santos Silva, passando por outros intermediários como Helder Bataglia. Sócrates já chegou a fazer vídeos no YouTube para tentar refutar esta parte importante da acusação. Diz ser totalmente falso que o seu governo tenha favorecido a PT e alega que terá sido Paulo Azevedo, e não Ricardo Salgado, a ligar-lhe a pedir que o seu governo votasse a favor da OPA.
9.Por que razão o seu primo ficaria com o dinheiro na Suíça de Carlos Santos Silva, caso o empresário morresse?
É um dos grandes trunfos do Ministério Público para mostrar que o dinheiro de Santos Silva era na verdade de José Sócrates. Um documento que consta do processo prova que se o empresário morresse 80% do recheio das suas contas seria de José Paulo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates.
10. Como explica que quando começou a ser investigado noutros processos parte do dinheiro que estava numa conta suíça do seu primo tenha ido parar a uma conta de Santos Silva?
A acusação diz que Sócrates mudou de testa-de-ferro depois de o primo ter ficado exposto publicamente no processo Freeport. José Paulo Pinto de Sousa era um alvo, Carlos Santos Silva – que deverá ser ouvido em novembro – não.