Como é que, no meio da incerteza e confusão que rodeiam o Brexit nas últimas semanas, se tenta convencer investidores a vir do Reino Unido para Portugal?
Portugal e o Reino Unido têm uma relação que remonta ao Tratado de Windsor e que tendeu a ser muito preservada em momentos importantes da História. E tem hoje extrema relevância em setores como o turismo, além de gerar um excedente comercial. Isso reflete o interesse com que diversas áreas económicas olham para o País e não nos podemos dar ao luxo de perder essas oportunidades. Independentemente do que suceda em sede de acordo com a União Europeia (UE), o essencial é que possamos ter melhores respostas na forma como os investidores olham para Portugal e se relacionam com as estruturas de administração portuguesa.
Mas as dúvidas e as incertezas em torno de um Brexit com ou sem acordo funcionam mais a favor de Portugal ou tendem a adiar a decisão de investimento?
Incerteza não rima com confiança. Prolongar este tempo de incerteza não é bom para o investimento. Embora os números sejam positivos, o ponto de vista político é que, independentemente da decisão soberana dos ingleses, se possa mitigar o que ameace este bom momento do investimento. O Portugal In contribui para o plano de contingência [do Governo] e para, nos grupos de trabalho com diversas estruturas da administração, reduzir a margem de incerteza e o que dificulta a decisão de investimento. Quero ser otimista em que a União Europeia saberá criar as iniciativas que não ponham em causa este relacionamento histórico, começando desde logo pela circulação de pessoas.
Mas para Portugal não é indiferente o desfecho, seja saída com ou sem acordo, não haver sequer saída ou um novo referendo…
Claro que não é. Se traz obstáculos, se cria restrições na UE, isso dificulta a decisão do investidor. Independentemente destas questões, para Portugal os números globais são positivos, tem mantido um ambiente positivo para o investimento. E a UE está muito atenta a manter uma relação económica e social e política positiva com o Reino Unido. Isso é bom. Nenhum de nós, honestamente, sabe como este processo vai acabar. Sabemos que há uma determinação forte de Portugal, através do plano de contingência, poder minimizar os efeitos.
Que contributo deu a Portugal In para esse plano?
Tanto na forma, como nas áreas onde tem vindo a desenvolver trabalho. Quando entrámos em funções desenhámos um plano de ação com objetivos e medidas relacionadas com acompanhamento de pedidos de investimento, simplificação de processos, promoção do País. Tudo isso faz parte dos contributos que daremos para este plano. Houve um ajustamento, com uma ou duas sugestões muito focadas no acompanhamento específico das empresas que queiram registar-se muito rapidamente em Portugal.
Mas o trabalho da estrutura de missão tem sido desenvolvido em torno de um cenário específico? Ou contempla todas as possibilidades?
Independentemente do que vier a acontecer, estamos a olhar para as diversas instituições – AICEP, MNE, MAI, SEF, IAPMEI – para que o processo seja mais amigável para o investidor. Até em áreas que há uns anos tinham menos expressão, como as tecnologias – com os Startup Visa – ou ainda a cultura com autorizações de residência para o investimento.
Como é que está a vender o País lá fora como destino de investimento?
Temos uma pessoa a residir no Reino Unido junto da delegação da AICEP e do Turismo de Portugal para acompanhar as intenções de investimento e lançámos a campanha Can’t Skip Facts, que procura mostrar o País além das áreas tradicionais com testemunhos de investidores. Mas o mais importante é olhar para o processo, garantir que há uma decisão de investir em Portugal e preparar a administração pública para uma melhor resposta.
E isso faz-se….
Com o lançamento do Portal ARI, de responsabilidade do SEF passou a fazer-se online o processo das autorizações de residência para investimento [ARI, ou vistos gold] e responder em tempo real a uma intenção de investimento. E na instalação de sociedades gestoras de fundos de investimento foi possível colocar CMVM e Banco de Portugal a trabalhar em conjunto para haver um ponto único de contacto com o investidor e ter tempos de decisão de acordo com a expetativa.
Já há resultados palpáveis?
Até setembro de 2018 o Reino Unido foi a principal origem de investimento direto estrangeiro (IDE) em Portugal, à frente do Luxemburgo, China e Holanda. O total de transações abrandou (11% face ao período homólogo de 2017), mantendo-se num terreno claramente positivo, equivalente a mais de €680 milhões. Houve uma alteração interessante do tipo de operação, reduzindo-se o investimento através de instrumentos de dívida (-41%) e aumentando a participação no capital das empresas portuguesas (+85%) que tem um caráter mais perene na relação com o País.
Que investimentos é que já se conseguiram captar desde que está à frente da Portugal In e em que setores?
O nosso objetivo não é assumir esses resultados. Gostava de referir o trabalho em articulação com a AICEP para trazer e acompanhar mais investimento. Entre as empresas que investiram em Portugal estão a Vodafone, a BP, o Barclays, a Astra Zeneca, a SAGE, a Claranet, a Colt. E empresas de menor dimensão que resultam dos projetos em pipeline, como a Kylin Prime Group, uma sociedade gestora de fundos de investimento que incorporou recentemente um fundo de capital de risco em Portugal para investir em PME. Ou empresas na área das tecnologias ligadas à logística ou à saúde. Nesse aspeto a Web Summit foi importante, tivemos mais de 200 pedidos de contactos de empresas à Portugal In.
E em valores?
Não consigo dar-lhe esses números com exatidão. Há uma tendência positiva, o trabalho está a ter expressão na forma como as várias instituições se relacionam com quem quer investir em Portugal.
A unidade de missão propôs algumas alterações legislativas ao Governo?
O mais significativo foi a colaboração para um despacho dos ministérios da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros permitindo o reconhecimento dos títulos de residência de trabalhadores que venham com empresas que se queiram deslocalizar ou abrir sede em Portugal. Se o Reino Unido vier a ser um país terceiro, será um dos identificados nesse despacho para acolher todos os trabalhadores que possam ser deslocalizados.
E houve necessidade de mexer, por exemplo, nos benefícios fiscais para atração de investimento?
Essa matéria, nomeadamente na área financeira, foi tratada no grupo de trabalho da CMVM, Banco de Portugal e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e o que concluímos foi que a nossa proposta nessas áreas fiscais é tão competitiva como a generalidade das congéneres. Em 2019 a Aicep vai lançar o seu novo portal e acordámos ter um campo no portal a que chamaremos o Portugal In Regions, onde procuramos contar os benefícios fiscais e financeiros de cada região, admitindo que o investimento não acontece só em Lisboa e no Porto.
O que é que mais preocupa os potenciais investidores?
A possibilidade de introdução de restrições à livre circulação e de fixação. O que nos vão pedindo é que esses obstáculos sejam reduzidos. E não fizemos só uma avaliação no Reino Unido mas também com os países que com ele têm maior relacionamento comercial – Índia, China, Estados Unidos da América e Japão. O primeiro-ministro resume isso muito bem: somos respeitadores desta relação histórica com o Reino Unido mas queremos propor às empresas um dois em um, que é optar pela União Europeia investindo em Portugal.
Paris, Frankfurt ou Luxemburgo têm sido destinos de transferência de negócio de grandes instituições financeiras do Reino Unido. Portugal joga numa “segunda divisão” nesta captação, com players mais pequenos?
Não gosto da expressão segunda divisão, seria desqualificar determinadas áreas que podem não ser de frontoffice mas que têm significado. O [francês] BNP Paribas é um belíssimo exemplo disso, está a investir no nosso país. Há fatores que ajudam nesse sentido, a nossa condição geoestratégica, o fuso horário, a capacidade de poder recrutar jovens qualificados com relativa facilidade com um nível de formação de elevada qualidade. Portugal não é de primeira nem segunda divisão. É um país procurado porque se reconhecem condições para que as empresas se fixem.
E com mão de obra barata?
As coisas são muito relativas. Barato ou caro tem a ver com o custo de vida, se a renda de casa. Se o orçamento associado a um conjunto básico de necessidades é substancialmente mais caro noutra geografia, é natural que, racionalmente, se possa optar por países onde esse efeito não é tão significativo.
Além de liderar esta estrutura, é empresário do setor turístico e foi secretário de Estado do Turismo. Está preocupado com o impacto que um Brexit sem acordo pode trazer a Portugal nesta área, considerando que o Reino Unido é o maior mercado emissor de turistas?
É um motivo de preocupação quando do ponto de vista de comunicação de posicionamento os países introduzem fatores que impedem a normal deslocação de pessoas. Em determinadas regiões do mundo assiste-se à recuperação manifesta dos países da bacia do Mediterrâneo, com a desvalorização das respetivas moedas, tornaram estas deslocações mais baratas para um turista inglês. O euro também valorizou face à libra, tornando mais caros estes destinos, a que se junta a ameaça à deslocação das pessoas. É um mercado com especial significado no Algarve e na Madeira e introduzir fatores que restrinjam este acesso é preocupante. Esta matéria está a ser acompanhada pelas instituições europeias para que não existam obstáculos a esta circulação.
Tem de ser um esforço conjunto.
Não poderá ser nacional porque há matérias que não são competência dos Estados-membros.
O mandato da Portugal In dura até ao final deste ano. Dois anos e meio são tempo suficiente para cumprir os objetivos ou poderá ser preciso estender o prazo dependendo dos cenários do Brexit?
Sou parte interessada e não vou responder em concreto a essa pergunta. Seremos muito diligentes em apresentar ao Governo e ao Parlamento o relatório da nossa atividade, elencando o que está resolvido e por resolver.