Uma investigação de novembro na VISÃO já dava conta dos cheiros tóxicos que se faziam sentir na zona do Hospital da CUF Descobertas, em Lisboa. Os solos contaminados que estavam a ser remexidos para a construção de cinco pisos subterrâneos de estacionamento para o hospital eram os responsáveis pela libertação dos hidrocarbonetos para o ar.
Dois meses depois, os moradores da zona fartaram-se das náuseas, dos cheiros intensos e das dúvidas sobre os perigos para a saúde pública. Saíram à rua neste fim-de-semana e protestaram. “À medida que o buraco se vai aprofundando, o cheiro aumenta e as pessoas começam a ficar preocupadas, sobretudo as que têm crianças, porque não sabem se terá ou não consequências para a saúde”, explica à VISÃO Carlos Ardisson, da ACIPN – A cidade imaginada Parque das Nações.
Já questionaram várias entidades públicas sobre o assunto, mas até agora não tiveram qualquer resposta. O único esclarecimento veio via facebook por parte da Junta de Freguesia do Parque das Nações, que diz estar a acompanhar o assunto: questionaram os serviços da Câmara Municipal de Lisboa e enviaram um pedido de “explicação técnica” para o chefe de gabinete do Ministro do Ambiente, informam.
Quanto aos moradores, estarão amanhã na Assembleia Municipal de Lisboa para questionar a autarquia sobre o assunto.
“Para os moradores ninguém assume se é ou não perigoso. E parece-nos que há uma tentativa de fazer de conta que não se passa nada”, acusa Carlos Ardisson. “Se os terrenos estão contaminados, mesmo que se faça uma parede de contenção do buraco, ela pode sempre ser ultrapassada pela água e as águas que estiverem em contacto com hidrocarboneto irão parar ao Tejo com hidrocarboneto”, sublinha.
A questão dos solos contaminados não é um problema exclusivo desta obra da CUF. Como a VISÃO denunciou em novembro, são muitas as obras em Lisboa e noutros locais do país que tentam ignorar a existência de solos contaminados e tratá-los como resíduos normais. Na altura a CUF garantia à VISÃO que estava a cumprir todos os procedimentos definidos pela Agência Portuguesa para o Ambiente (APA) no que toca ao encaminhamento dos solos. Avançava que tinham sido feitas análises e que só em outubro teria sido detectada a primeira bolsa de solos contaminados. Uma análise que surge já depois de uma denúncia feita à APA pela Ecodeal (um dos centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos), dando conta que os terrenos da CUF Descobertas tinham elevada “concentração de hidrocarbonetos” e que esse resíduo “deve ser classificado com a perigosidade de cancerígeno”. Informava-se também a APA que havia uma “tentativa ilegal de desclassificação de resíduos”. A CUF negou esta acusação e garantiu estar a conduzir todo o processo em ligação com a APA e a seguir todas as suas indicações.
Já em novembro, fonte oficial da José de Mello Saúde, detentora do hospital, tinha explicado à VISÃO que a empresa fora “surpreendida” com a existência de solos contaminados e que teria comprado o terreno “no pressuposto que estava descontaminado”. Agora, perante o protesto dos moradores, a José de Mello Saúde diz que está a “acompanhar e a monitorizar o tema com muita atenção garantindo que a saúde e segurança dos moradores e dos nossos trabalhadores estão acauteladas”. Lamenta “o incómodo que tal possa causar”, mas diz estar seguro “que estão a ser cumpridos os requisitos legais e regulamentares neste domínio, e que o avançar da obra eliminará definitivamente o odor que tem surgido no local”.
Preocupados com o tema, também o grupo parlamentar dos Verdes questionou no final do ano passado o Governo sobre este assunto. Em resposta, o Ministério do Ambiente diz que informou a administração do hospital da “obrigatoriedade de submeter um projeto de descontaminação à CCDR Lisboa e Vale do Tejo e informada quanto á forma de determinação da periogosidade do resíduo em causa e da potencial contaminação do solo”. Diz-se também que foi pedida uma inspeção à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que procedeu a essa inspeção e não identificou “à data,” indícios de encaminhamento indevido de solos.
Nessa mesma resposta é dito que foram solicitados pela APA “elementos” já remetidos pela administração do hospital, mas que os mesmos se encontram “em análise”.