O conflito no Iémen tornou 8,4 milhões de pessoas dependentes de assistência alimentar de emergência e colocou 75% dos seus 22 milhões de habitantes a precisarem de ajuda, no país com a prior crise humanitária do mundo.
Um balanço feito no final de outubro pelo chefe da agência humanitária das Nações Unidas, Mark Lowcock, apontava para 1,1 milhões de mulheres grávidas e “mais de 400 mil crianças severa e agudamente mal alimentadas”.
Enquanto prosseguem as negociações para pôr fim ao conflito de quatro anos que já matou mais de 10 mil e obrigou 3 milhões a abandonarem as suas casas, três trabalhadores no terreno, do Conselho noruegês para os Refugiados, descreveram ao britânico The Guardian o drama físico e emocional que vêem, diariamente, desenrolar-se diante dos seus olhos.
As palavras de Marwan Al-Sabri, 32 anos, que trabalha do departamento de água e saneamento de Taiz, dizem tudo: “A guerra traz ao de cima o pior da sociedade. As pessoas são sujeitas a extorção, ameaças e detenções nos postos de controlo.” “Desgastou-nos material e moralmente e perdemos o direito a viver em segurança e com dignidade”.
Al-Sabri relata que o trabalho humanitário o expõe mais à tragédia, tanto a provocada pela guerra como a que resulta do estado económico do país. “As pessoas estão tão desesperadamente pobres que se matam antes que a fome o faça.”
Os jovens, esses, já não pensam em entrar para universidade. “Juntar-se a um grupo armado é uma das poucas maneiras de ganhar a vida. Homens jovens e sem treino estão a ir para as linhas da frente porque não têm outra hipótese”, lamenta.
Ali Al-Makhaathi, 27 anos, recorda, por seu lado, a noite em que as bombas a explodirem sairam da televisão para o seu bairro e o som dos aviões de combate passou a fazer parte da rotina. Os adultos, conta, já mal reagem, mas as crianças continuam a saltar da cama a correr, petrificadas de medo. Naquela noite, um bombardeamento atingiu a casa contígua à da sua família e se o som parecia o de um trovão, o impacto assemelhava-se ao de um sismo. “Depois da explosão, houve um silêncio absoluto. Era como se os que tinhamos sobrevivido precisassemos de tempo para perceber que não tinhamos sido mortos.” Sem conseguir falar, Ali limitou-se a fica à porta de casa, a ver as pessoas passar com partes dos seus filhos e netos ao colo.
O relato de Hadil Al-Senwi, 27 anos, não é menos dramático, assim como as suas perspetivas para o futuro: “Vivemos sob ameaça constante, somos socialmente instáveis, a nossa possibilidade de estudar morreu e o nosso país está politicamente inseguro e economicamente desfeito.”
Hadil vê cada iemenita “vazio”, sempre vítima de ansiedade, a optar pelo silêncio para não arranjar problemas “com as pessoas no poder”.
“A ideia de infância que eu tinha desapareceu e as crianças agora carregam o fardo do stress e do trabalho como adultos. Tenho muita pena que as nossas crianças não conheçam mais do que a amargura da guerra”, lamenta.
“Tinhamos sonhos mas agora vivemos um pesadelo”, diz ainda, antes de falar do sonho da paz e da reconstrução. “Merecemos mais do que isto.”