Quando Salo Muller tinha cinco anos, no ano de 1942, a sua mãe deixou-o na escola em Amesterdão, capital da Holanda. Foi a última vez que a viu.
Nesse dia, a mãe e o pai de Salo, ambos judeus, foram levados para uma campo de concentração nazi na zona norte do país através da companhia de caminhos de ferro pública, a Nederlandse Spoorwegen (NS). Passadas nove semanas, foram, também, nos comboios da NS, levados para Auschwitz, onde seriam mortos.
Salo sobreviveu ao Holocausto escondido. Hoje, com 82 anos, conseguiu aquilo pelo qual lutava há algum tempo: que a companhia NS indemnize os sobreviventes e os familiares das vítimas do Holocausto.
Em 2005, a empresa pediu desculpas publicamente, mas negou-se a dar indemnizações. Salo Muller, conhecido na Holanda por ser o antigo fisioterapeuta do clube de futebol Ajax, não achou suficiente este ato de contrição e andou três anos em conversações com a NS. Quando se preparava para avançar com o caso para tribunal, houve um recuo. “Foi uma página negra na história do nosso país e da nossa empresa”, disse, em comunicado, a NS, no dia em que anunciou que iria designar uma comissão para determinar as indemnizações.
Os caminhos de ferro foram essenciais para os planos de extermínio levados a cabo pelo regime nazi durante a II Guerra Mundial. Só entre 1942 e 1944, 107 mil judeus holandeses foram levados para os campos de extermínio através da NS. Primeiro para Westerbok, chamado campo de trânsito, depois para a Polónia (Auschwitz, Sobibor ou Bergen-Belsen). Apenas cinco mil sobreviveram.
A NS recebeu dos nazis o equivalente a 2,5 milhões de euros, ao câmbio atual.
Os historiadores dividem-se entre acreditar que a empresa poderia recusar-se a fazer este terrível serviço e os que dizem que o país estava ocupado pelos nazis e não podia negar-se. Além disso, argumentam os historiadores, não é claro que a companhia soubesse o que se passava nos campos de concentração.
Não é a primeira vez que uma empresa de comboios toma uma decisão desta natureza. Em 2014, a francesa SNCF, perante um veto da União Europeia aos seus contratos, aceitou indemnizar as vítimas francesas das deportações nazis.