Se António Guterres tivesse de sujeitar-se a provas de avaliação para o mais desejado cargo de topo das Nações Unidas seria aprovado com louvor e distinção. No entanto, corre o risco de, nos próximos meses, chumbar na prova que um investigador da Universidade de Nova Iorque, Richard Gowan, define ironicamente como o “teste testicular”. As virtudes de Guterres – e de qualquer outro candidato – não lhe chegam para conquistar o lugar de secretário-geral da ONU. O motivo é simples: essa função deve agora ser desempenhada por uma mulher, algo que nunca ocorreu nas sete décadas de história da instituição.
O sul-coreano Ban Ki-moon é o oitavo homem a liderar a diplomacia mundial e o seu segundo mandato termina a 31 de dezembro. Razão pela qual já começou a corrida à sucessão, feita de inúmeros jogos de interesses globais. A Carta Fundadora da ONU, aprovada em 1945, estipula que o secretário-geral seja “nomeado pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança”. Uma regra demasiado vaga que tem permitido sucessivos acordos informais em que são sempre os mesmos a tomar a decisão final: EUA, Rússia, França, Reino Unido e China – as cinco potências com direito de veto.
Desta vez, os esquemas de bastidores irão novamente prevalecer mas parece existir um consenso alargado para que haja um pouco mais de transparência no processo de escolha – e que esta recaia numa mulher. É esse o entendimento de boa parte dos estados-membros e de várias ONG’s que têm promovido iniciativas em prol da paridade nos lugares-chave da organização. No entanto, a nove meses de ser proclamado pela Assembleia Geral da ONU o futuro secretário geral, continuamos sem saber quem são os principais candidatos. As regras informais definem que o escolhido(a) deveria sair da única região que nunca elegeu ninguém para o cargo, a Europa de Leste. Mas a história demonstra que tudo pode acontecer. Poucos acreditam que o sérvio Vuk Jeremic e o eslovaco Miroslav Lajcak tenham qualquer hipótese. Ou seja, há Guterres e as mulheres. As favoritas, as búlgaras Irina Bokova e Kristalina Georgieva, ameaçam anular-se uma à outra e tudo indica que haverá muitas surpresas até outubro.
Kristalina Georgieva
13 agosto 1953
Bulgária
Vice-Presidente da Comissão Europeia
Pontos fortes: Após ter sido vice-presidente do Banco Mundial, tornou-se a estrela da Comissão de Durão Barroso, em 2010, pela assistência humanitária às vítimas do terramoto no Haiti
Pontos fracos: Pode deitar tudo a perder à custa das suas suspeitas viagens intercontinentais, pagas pelos contribuintes europeus e tidas como ações de campanha para liderar a ONU
Helen Clark
26 fevereiro 1950
Nova Zelândia
Ex-Presidente, diretora do PNUD
Pontos fortes: Tal como Bachelet, possui uma experiência inatacável enquanto funcionária de topo ao serviço da ONU. Pode ser beneficiada com as eventuais rivalidades entre europeus e russos
Pontos fracos: Ser neozelandesa e ex-primeira-ministra contraria dois requisitos supostamente indispensáveis: ser da Europa Oriental e nunca ter sido chefe de estado ou de governo
Irina Bokova
12 julho 1952
Bulgária
Diretora da UNESCO
Pontos fortes: Ex-ministra dos Negócios Estrangeiros búlgara fala cinco idiomas (incluindo russo), tem um percurso profissional a roçar a perfeição e conhece como poucos a máquina da ONU
Pontos fracos: Ligações familiares ao antigo regime comunista; Governo de Sofia pode não se empenhar na sua eleição e os EUA podem vetá-la devido às suas simpatias palestinianas
Michele Bachelet
29 setembro 1951
Chile
Presidente
Pontos fortes: O seu percurso individual – incluindo o papel que desempenhou como primeira diretora executiva da ONU Mulher – faria dela uma candidata imbatível
Pontos fracos: O seu segundo mandato presidencial só termina em 2018 e os escândalos que envolvem o seu filho e a nora impedem-na de apostar num regresso às Nações Unidas
Christiana Figueres
7 agosto 1956
Costa Rica
Secretária executiva da ONU para as Mudanças Climáticas
Pontos fortes: Foi a grande obreira do primeiro e histórico acordo global contra o aquecimento do planeta, alcançado na cimeira de Paris, em dezembro. É uma diplomata por natureza
Pontos fracos: A sua compatriota Rebeca Grynspan é outra potencial candidata e, tal como sucede com a dupla búlgara, só uma pode contar com o apoio do respetivo governo
Vesna Pusic
25 abril 1953
Croácia
Ex-ministra Negócios Estrangeiros
Pontos fortes: Personagem chave na entrada da Croácia na UE, em 2013, nunca precisou da política para mostrar as suas capacidades. Assumiu a sua candidatura para a ONU há quase 10 meses
Pontos fracos: Potencial vítima do impasse no Conselho de Segurança para escolher uma candidata do leste europeu. Dizer-se feminista e defensora dos direitos humanos pode não a favorecer
Federica Mogherini
16 junho 1973
Itália
Vice-Presidente da Comissão Europeia
Pontos fortes: O seu desempenho como líder da diplomacia europeia tem surpreendido pela positiva – seja pelo dinamismo, seja pela capacidade de fazer pontes entre posições desavindas
Pontos fracos: Não parece interessada em abdicar do seu cargo em Bruxelas. As potências atómicas do Conselho de Segurança jamais escolheriam uma defensora do desarmamento nuclear
Angela Merkel
17 julho 1954
Alemanha
Chanceler
Pontos fortes: Há mais de uma década que a revista Forbes a elege sistematicamente como a mulher mais poderosa do mundo. Quem melhor do que ela para reinventar as Nações Unidas?
Pontos fracos: Por causa dos refugiados, 40% dos alemães acha que deveria demitir-se da chancelaria, mas poucos acreditam que vá trocar Berlim por Nova Iorque – seria uma candidatura demasiado mediática
Helle Thorning-Schmidt
14 dezembro 1969
Dinamarca
Ex-primeira-ministra
Pontos fortes: Após ter sido derrotada para suceder a António Guterres, no Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, pode agora ser recompensada. Currículo e carisma não lhe faltam
Pontos fracos: É difícil acreditar que a ONU possa ter um terceiro secretário–geral oriundo da Escandinávia. Os gostos e comportamentos faustosos de Helle também não ajudam
Natalia Gherman
20 março 1969
Moldávia
Ex-ministra Negócios Estrangeiros
Pontos fortes: Há dois anos o The Guardian escolheu-a como uma das sete mulheres que iria dar cartas na política mundial. O seu talento diplomático e político parece confirmá-lo
Pontos fracos: Tem vantagens sobre outras candidatas oriundas de países membros da NATO, mas a sua vontade de colocar a Moldávia na União Europeia pode também merecer o veto de Moscovo